O livro de Apocalipse começa com uma sequência de pequenas cartas destinadas a sete igrejas na Ásia Menor, (atual Turquia), que existiam na época do apóstolo João, o escritor do livro. São elas a igreja de Éfeso (Apocalipse 2:1–7), a igreja de Esmirna (Apocalipse 2:8–11), a Igreja de Pérgamo (Apocalipse 2:12–17), a Igreja de Tiatira (Apocalipse 2:18–29), a Igreja de Sárdis (Apocalipse 3:1–6), a igreja de Filadélfia (Apocalipse 3:7–13) e a igreja de
Laodiceia (Apocalipse 3:14–22).
Cada uma dessas cartas inclui uma mensagem pertinentes a cada igreja, e delas podemos tirar muitas lições para nós ainda hoje.
A primeira carta é para a igreja em Éfeso. Éfeso era uma cidade na costa ocidental da Ásia Menor, às margens do mar Egeu, na foz do rio Caístro. A cidade era famosa por seu templo de Diana (ou Ártemis, Atos 19:27), e peregrinos vinham a Éfeso de todo o mundo mediterrâneo para adorar a deusa. Hoje, o território de Éfeso pertence à Turquia.
Éfeso era célebre por sua atividade comercial e bancária. Seu templo de Ártemis, construído no século VI a.C., o maior do mundo grego, era considerado como uma das Sete Maravilhas do Mundo.
O apóstolo Paulo visitou a cidade de Éfeso em 54 e 65, e o apóstolo João, em 66. Os turcos a tomaram dos bizantinos de 1090 a 1097 e depois a ocuparam definitivamente, no início do século XIV.
Por muito tempo, Éfeso foi a segunda cidade mais importante do Império Romano. Foi o principal centro comercial do Mediterrâneo e possui grande relevância ao Cristianismo.
Você pode ler mais sobre a história e a geografia de Éfeso na nossa matéria dedicada.
A Cidade de Éfeso
Escreve ao anjo da igreja de Éfeso: Isto diz aquele que tem na sua destra as sete estrelas, que anda no meio dos sete castiçais de ouro:
Conheço as tuas obras, e o teu trabalho, e a tua paciência, e que não podes sofrer os maus; e puseste à prova os que dizem ser apóstolos, e o não são, e tu os achaste mentirosos.
E sofreste, e tens paciência; e trabalhaste pelo meu nome, e não te cansaste.
Tenho, porém, contra ti que deixaste o teu primeiro amor.
Lembra-te, pois, de onde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras; quando não, brevemente a ti virei, e tirarei do seu lugar o teu castiçal, se não te arrependeres.
Tens, porém, isto: que odeias as obras dos nicolaítas, as quais eu também odeio.
Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus.
Apocalipse 2:1-7
Não é à toa que Éfeso vem primeiro na lista das sete Igrejas.
Embora Pérgamo fosse a capital administrativa da província romana da Ásia, Éfeso era a cidade mais importante da região. Tinha o título de “a primeira e maior metrópole da Ásia”. Um escritor romano a chamou de “A luz da Ásia”. Vejamos os motivos.
Localização estratégica
Nos tempos de João, Éfeso era o porto mais importante da Ásia. Todos os caminhos do vale do Rio Caístro, o rio sobre o qual se levantava a cidade, conduziam a ela. Eram caminhos que uniam Éfeso com o longínquo Rio Eufrates e a região da Mesopotâmia, sendo Colossos e Laodicéia os pontos intermediários mais importantes. Também convergia para Éfeso o caminho da Galácia, atravessando Sardes em seu percurso.
Do sul, outro caminho, o do vale do Meandro, rico em agricultura, também chegava até o porto de Éfeso, o maior porto da região. É possível que em Apocalipse 18:12-13 João descrevesse precisamente as riquezas que diariamente se podiam ver no mercado de Éfeso.
Mercadorias de ouro, e de prata, e de pedras preciosas, e de pérolas, e de linho fino, e de púrpura, e de seda, e de escarlata; e toda a madeira odorífera, e todo o vaso de marfim, e todo o vaso de madeira preciosíssima, de bronze e de ferro, e de mármore;
E canela, e perfume, e mirra, e incenso, e vinho, e azeite, e flor de farinha, e trigo, e gado, e ovelhas; e cavalos, e carros, e corpos e almas de homens.
Apocalipse 18:12,13
Em resumo, para todos os que desejavam viajar a algum lugar da Ásia, Éfeso era um ponto de passagem obrigatório. Estava estabelecido num estatuto que o procônsul romano que devia comandar a Ásia devia desembarcar em Éfeso. Para todos os viajantes do Oriente, que podiam vir dos vales dos rios próximos ou das longínquas cidades como Galácia e Laodicéia, Éfeso era a entrada para Roma.
Anos mais tarde, quando muitos mártires foram capturados na Ásia e levados a Roma para serem lançados aos leões, Inácio rebatizou a Éfeso de “a porta dos mártires”.
Esta localização privilegiada converteu Éfeso na maior e mais rica de todas as cidades da Ásia. Para lá e a partir de lá fluía uma corrente incessante de gente e mercadorias. Não é errado compreendê-la como o lugar da “feira de vaidades” do mundo antigo.
Uma cidade livre
Éfeso tinha certamente uma distinção política muito importante: era uma cidade livre. Havia algumas cidades no Império Romano que possuíam esta distinção, conferida por sua lealdade ou pela importância de seus serviços ao imperador. As cidades livres se governavam a si mesmas e estavam dispensadas da obrigação de receber e alojar tropas imperiais.
Éfeso, além disso, era uma das cidades escolhidas para ser assento de tribunais. Os governadores provinciais romanos faziam de vez em quando uma excursão pelas cidades de seu domínio; em certas cidades, escolhidas por sua importância, o governador romano julgava, durante sua visita, os casos que lhe apresentassem. Na época em que eram visitadas pelo governador e sua corte, as cidades que desfrutavam deste privilégio enchiam-se de todo o esplendor e pompa.
Além disso era em Éfeso que se celebravam uma vez por ano os mais famosos “jogos” atléticos da Ásia. Nesses eventos, pessoas de toda a região inundavam a cidade.
Uma cidade pagã
Éfeso era o centro do culto de Ártemis, a “Diana dos efésios”. O Templo de Ártemis era uma das sete maravilhas do mundo antigo. Era sustentado por 127 colunas, cada uma delas com 20 metros de altura, que tinham sido dadas de presente cada uma por um rei; trinta e seis delas estavam ricamente esculpidas e incrustadas.
Os templos antigos consistiam principalmente de colunas ao redor de um lugar central, que era o único coberto em todo o edifício. A parte central do templo de Ártemis estava coberta com madeira de cipreste. A imagem da deusa que habitava este lugar separado era uma das mais sagradas de todo o mundo antigo. Era tão velha que ninguém conhecia sua origem. Mas Éfeso, além disso, era reconhecida por seus templos dedicados a Roma e aos imperadores Adriano e Severo. Era, enfim, um centro importante da religião pagã.
Capital da superstição
Éfeso também era famosa como centro mundial da superstição. Em todo mundo se conheciam os amuletos de Éfeso. Estes amuletos podiam remediar virtualmente qualquer mal. Curavam enfermidades, davam filhos às mulheres estéreis, asseguravam o êxito nos negócios, a boa sorte nas viagens, a vitória na guerra ou na competência esportiva.
As pessoas vinham de todo o mundo para comprar em Éfeso estes objetos mágicos.
População internacional
A população de Éfeso era internacional. Seus cidadãos estavam divididos em tribos. Havia seis tribos principais, uma era constituída pelos descendentes dos habitantes oriundos da região, antes que viessem os gregos; a segunda era integrada pelos descendentes diretos dos primeiros colonizadores atenienses; a terceira agrupava a outros gregos. É provável que uma das tribos estivesse formada pelos judeus.
O Templo de Ártemis além de ser um centro importante de vida religiosa era um centro de imoralidade e crime. A área do Templo era considerada lugar de asilo. Qualquer criminoso podia considerar-se seguro caso conseguisse entrar no Templo de Ártemis. Além disso, o
Templo tinha centenas de sacerdotisas que funcionavam como prostitutas sagradas.
Uma cidade imoral, sedenta pelas boas novas de Jesus Cristo
Todas estas características faziam de Éfeso uma cidade que transbordava imoralidades de todo tipo. Heráclito, um dos filósofos gregos mais famosos, era chamado “o chorão”. Ele próprio explicava que ninguém poderia viver em Éfeso, como ele o tinha feito, sem deixar de chorar todo o tempo pela degeneração e a corrupção que imperavam nessa grande cidade.
Tal era Éfeso. Um lugar muito pouco prometedor como terreno para a semeadura da semente do Evangelho. E entretanto foi em Éfeso que a fé cristã obteve alguns de seus maiores triunfos.
R. C. Trench escreveu: “Em nenhum outro lugar a mensagem foi recebida com maior desejo, nem feito raízes tão fundas, nem deu frutos tão belos de fé e amor.”
Paulo permaneceu em Éfeso muito mais tempo que em qualquer uma das outras cidades que visitou durante suas viagens missionárias (Atos 20:31). Timóteo foi o primeiro bispo de Éfeso (1 Timóteo 1:3). Em Éfeso encontramos a Áquila, Priscila e Apolo (Atos 18:19,24,26). Paulo nunca se sentiu mais perto de um grupo de anciãos da Igreja como em Éfeso, tal como o demonstra seu belo discurso de despedida (Atos 20:17-38). Mais tarde, João chegou a ser a figura mais destacada de Éfeso. A lenda e a tradição afirmam que o “discípulo amado” levou consigo para Éfeso Maria, a mãe de Jesus, e que é ali onde foi enterrada.
Quando Inácio de Antioquia escreveu sua carta aos efésios, enquanto era conduzido ao martírio de Roma, pôde lhes dizer: “Vocês foram de uma mesma mente com os apóstolos, no poder de Jesus Cristo.”
Há muito poucos lugares que demonstram de maneira mais clara o poder do Evangelho para conquistar os corações dos homens e transformar a sociedade.
Antes de dar por terminada esta descrição geral de Éfeso, devemos anotar uma coisa mais. Falamos de Éfeso como o grande porto da Ásia.
Na atualidade somente existem ruínas da passada grandeza. Éfeso perdeu sua batalha contra o tempo e hoje os sedimentos aluviais a transformaram numa zona pantanosa arrasada, distante uns três ou quatro quilômetros do mar.
A Carta à Igreja de Éfeso
Jesus é quem sustenta a igreja
João começa sua carta aos efésios com duas descrições do Cristo ressuscitado.
Escreve ao anjo da igreja de Éfeso: Isto diz aquele que tem na sua destra as sete estrelas, que anda no meio dos sete castiçais de ouro:
Apocalipse 2:1,2
Jesus é aquele que sustenta as sete estrelas em sua mão direita. As sete estrelas representam as sete Igrejas. Cristo sustenta as Igrejas em sua mão. A palavra que na tradução ao português se traduz por “tem” é em grego kratein. É uma palavra forte. Significa que Jesus Cristo exerce o controle total das Igrejas, e que se as Igrejas se submetem a esse controle de Cristo, nunca lhes pode suceder nada mau.
Nossa segurança, nossa própria vida depende de estarmos sustentados por Jesus Cristo. O mesmo afirma João quando, com palavras de Jesus, fala a respeito dos cristãos: “Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão” (João 10:28).
Quando a Igreja se submete ao controle de Cristo sua doutrina e sua vida deixaram de correr perigo.
Toda a Igreja está na mão de Cristo, e Ele a sustenta. Cristo não é o Cristo de alguma seita, ou comunhão, ou denominação, e menos ainda de alguma congregação particular. É o Cristo de toda a Igreja. Quando os homens levantam barreiras entre as Igrejas, estão fazendo algo que Jesus Cristo não faz nem fará jamais.
Jesus Cristo é aquele que caminha entre os sete candelabros de ouro. Os candelabros são as Igrejas. Esta imagem nos revela a incansável atividade de Cristo em meio à sua Igreja. Não está confinado a nenhuma Igreja em particular; está em todas elas ao mesmo tempo.
Não há Igreja na qual esteja ausente às vezes e presente em outras. Sua presença é permanente em todas. Sempre que nos reunimos para adorar a Deus em seu nome, Ele está ali.
Os membros da igreja de Éfeso
João prossegue dizendo certas coisas sobre os membros do Igreja de Éfeso.
Conheço as tuas obras, e o teu trabalho, e a tua paciência, e que não podes sofrer os maus; e puseste à prova os que dizem ser apóstolos, e o não são, e tu os achaste mentirosos.
Apocalipse 2:2
O Cristo ressuscitado exalta seu árduo trabalho. A palavra grega é kopós. Esta é uma das palavras favoritas dos autores do Novo Testamento. Trifena, Trifosa e Pérside trabalham no Senhor (Romanos 16:12). A única coisa que Paulo deseja que reconheçam é que ele trabalhou mais que nenhum outro (1 Coríntios 15:10). Teme que os gálatas voltem atrás, e que seu trabalho tenha sido em vão (Gálatas 4:11). Em cada um destes casos — e há muitos outros que poderíamos citar — a palavra sublinhada é, em grego, o substantivo kopós ou o verbo kopéin.
O que distingue esta palavra de outras que poderiam usar-se para dizer “trabalho” ou “obra”, é que esta descreve o trabalho árduo, o trabalho que demanda de nós toda nossa reserva de energia e toda nossa concentração mental. A vida cristã não é para o frívolo, ou para aquele que tem medo de ter calos nas mãos. O cristão deve empregar sua vida toda no serviço dos homens e de Cristo. O cristão é um operário de Cristo, e até se for incapaz de fazer esforços físicos, ou se este não é o tipo de dedicação que lhe é exigido, sempre haverá algo em que poderá comprometer sua energia no serviço de seu Senhor.
(2) Cristo exalta sua paciência. A palavra grega, que já vimos aparecer em repetidas ocasiões, é hypomone. Hypomone é o espírito que não pode ser vencido por nenhuma circunstância da vida e que nenhum acontecimento pode prostrar. A hypomone é a capacidade de sair triunfante em qualquer coisa que a vida possa nos fazer.
Hypomone é a coragem que aceita os sofrimentos e as dificuldades, a luta e a derrota, inclusive, mas é capaz de sair sempre vitoriosa. Em qualquer situação, é a virtude daquele que sabe, finalmente, alcançar a graça e a glória. Tem-se dito que o sofrimento dá cor à vida. Quando somos capazes de enfrentar o sofrimento com a paciência do verdadeiro cristão a cor da vida que vivemos nunca será cinza, ou negra, porque brilhará com o ouro da glória.
Como Éfeso perdeu o primeiro amor
E sofreste, e tens paciência; e trabalhaste pelo meu nome, e não te cansaste.
Tenho, porém, contra ti que deixaste o teu primeiro amor.
Apocalipse 2:3-4
Na carta, podemos ver que Cristo diz à igreja de Éfeso que ela tinha “deixado o seu primeiro amor”. Para entender o significado disso, é preciso entender o contexto pelo qual aquela igreja passava. Entenda por que Éfeso perdeu o primeiro amor.
Uma falsa ideia capaz de nos arruinar
Tens, porém, isto: que odeias as obras dos nicolaítas, as quais eu também odeio.
Apocalipse 2:6
Surge aqui uma falsa crença que Cristo diz que lhe é odiosa. Elogia os efésios porque eles também se aborrecem com ela.
Pode parecer estranho que se atribua um sentimento tão negativo a Cristo. Mas devemos lembrar duas coisas. Em primeiro lugar, se amamos a alguém com amor apaixonado e intensamente, odiaremos, ao mesmo tempo, qualquer coisa que ameace arruinar sua alma e corpo. Em segundo lugar, devemos lembrar que sempre se deve odiar o pecado, mas amar o pecador. A santa ira de Deus acende-se ardente contra o pecado, mas o amor de Deus pelo pecador nunca esfria nem esgota.
Os homens que propagavam essa falsa crença aos quais o texto se refere são os nicolaítas. Entenda quem foram os nicolaítas e suas doutrinas.
Ali são relacionados com os que “sustentam a doutrina de Balaão” (v.14). E isto, por sua vez, relaciona-se com a ingestão de alimentos oferecidos aos ídolos e com a fornicação.
Voltamos a encontrar o mesmo problema em Tiatira, onde a ímpia Jezabel estimulava os crentes às prática de imoralidades sexuais, e os tentava a comer alimentos oferecidos aos ídolos.
Deve notar-se, em primeiro lugar, que este perigo não provém de fora da Igreja mas sim de dentro. Aqueles que propagam falsas crenças e ideias nem sempre planejam destruir o cristianismo, mas sim oferecer uma nova versão, “melhorada” e “modernizada”, da verdadeira fé.
A grande recompensa
Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus.
Apocalipse 2:7
Por último, Cristo faz sua grande promessa aos que forem vitoriosos. Aqui há duas ideias verdadeiramente belas. A promessa da árvore da vida, do paraíso de Deus e da vida na permanente presença e companhia de nosso Senhor Jesus.
Referências:
O NOVO TESTAMENTO Comentado por William Barclay
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