Por que Éfeso perdeu o primeiro amor?

O livro de Apocalipse começa com uma sequência de pequenas cartas destinadas a sete igrejas na Ásia Menor (atual Turquia), que existiam na época do apóstolo João, o escritor do livro. Uma delas é a carta para a igreja de Éfeso.

Na carta, o apóstolo João relata um recado de Jesus Cristo à igreja de Éfeso:

1 Escreve ao anjo da igreja de Éfeso: Isto diz aquele que tem na sua destra as sete estrelas, que anda no meio dos sete castiçais de ouro:

2 Conheço as tuas obras, e o teu trabalho, e a tua paciência, e que não podes sofrer os maus; e puseste à prova os que dizem ser apóstolos, e o não são, e tu os achaste mentirosos.

3 E sofreste, e tens paciência; e trabalhaste pelo meu nome, e não te cansaste.

4 Tenho, porém, contra ti que deixaste o teu primeiro amor.

5 Lembra-te, pois, de onde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras; quando não, brevemente a ti virei, e tirarei do seu lugar o teu castiçal, se não te arrependeres.

6 Tens, porém, isto: que odeias as obras dos nicolaítas, as quais eu também odeio.

7 Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus.

Apocalipse 2: 1-7

Na carta, podemos ver que Cristo diz à igreja de Éfeso que ela tinha “deixado o seu primeiro amor”. Para entender o significado disso, é preciso entender o contexto pelo qual aquela igreja passava.

Uma igreja cercada por lobos

Nas pequenas congregações da Igreja primitiva, era muito fácil que ali entrassem homens maus. Jesus advertiu seus discípulos contra os falsos profetas que são lobos em pele de ovelha (Mateus 7:15).

Em seu discurso de despedida aos anciãos da Igreja em Éfeso, Paulo lhes tinha advertido sobre a mesma possibilidade. Tratava-se, nesse caso, de emissários dos judeus que pretendiam voltar a prender os cristãos no cumprimento da Lei e que seguiam a Paulo por todos lados, procurando desfazer sua obra.

Também houve aqueles que queriam converter a liberdade em licença para fazer o mal, e perverter o cristianismo de tal maneira que servisse como justificação para a imoralidade.

Havia também mendigos e ociosos profissionais que se aproveitavam da boa vontade dos crentes e que viviam passando de uma igreja a outra, sendo sustentados por sua caridade. A Igreja em Éfeso era mais vulnerável a esses perigos itinerantes do que qualquer outra daquele tempo. Sua localização a colocava numa encruzilhada de caminhos internacionais por onde toda sorte de malfeitor tinha necessariamente que passar – entenda mais em nossa matéria sobre a geografia de Éfeso.

Mais de uma vez o Novo Testamento insiste na necessidade de pôr os homens à prova. João, em sua primeira carta, sustenta que todo “espírito” que pretende ser de Deus deve ser submetido a certas provas; seu modo de comprovar a autenticidade dos pregadores itinerantes era averiguar se criam que Jesus Cristo havia “vindo na carne” – isto é, de fato nascido, vivido, morrido e ressuscitado como homem. Assim, tratava-se de comprovar se pregavam a encarnação na plenitude de suas consequências (1 João 4:1-3). 

Amados, não creiam em qualquer espírito, mas examinem os espíritos para ver se eles procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo.
Vocês podem reconhecer o Espírito de Deus deste modo: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne procede de Deus;
mas todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus. Esse é o espírito do anticristo, acerca do qual vocês ouviram que está vindo, e agora já está no mundo.
1 João 4:1-3

Paulo adverte aos tessalonicenses sobre a necessidade de submeter à prova todas as coisas e ficar somente com as boas (1 Tessalonicenses 5:20). Insiste em que todo profeta deve ser provado por outros profetas (1 Coríntios 14:29). Ninguém pode falar o que pensa e achar que fala por Deus.

Jesus exigiu a prova mais dura de todas: “Por seus frutos os conhecereis” (Mateus 7:15-20). A igreja em Éfeso tinha aplicado com fidelidade todos estes critérios de comprovação e tinha arrancado todo o joio de falsos crentes; o problema era que, no processo, algo se tinha perdido. “Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro amor”, diz o Cristo ressuscitado. Esta expressão pode ter dois significados.

Por que Éfeso perdeu o primeiro amor?

A expressão “perdeu o primeiro amor” pode significar o desaparecimento do primeiro entusiasmo. Jeremias fala da devoção de Israel a Deus nos primeiros dias. Deus diz à nação que lembra “da tua afeição quando eras jovem, e do teu amor quando noiva” (Jeremias 2:2). Tinham tido uma lua de mel, mas a excitação do primeiro entusiasmo se desvaneceu. É possível que Cristo esteja acusando a igreja em Éfeso de ter perdido o entusiasmo e ardor de sua primeira piedade.

Mas é muito mais possível que esse primeiro amor perdido tenha sido a vivência do amor fraternal. No início, os membros da Igreja em Éfeso verdadeiramente se amaram entre si. Tinham sido uma comunidade de irmãos. As desavenças não tinham conseguido separá-los. Algo, entretanto, se quebrou. É possível que o desejo de expulsar todos os maus, todos os que não eram fiéis autênticos (uma necessidade, como vimos acima, pela quantidade de mal-intencionados que rondavam a igreja) tenha transformado o povo da igreja de Éfeso em um povo severo, rígido e amargo.

E agora Éfeso cumpria absolutamente todas as decisões, preceitos e ideais do padrão bíblico, de modo rigoroso e rígido, mas isso tinha custado seu amor fraternal. Quando isto acontece, o preço dessa correção é muito caro. Toda a correção severa do mundo não pode substituir o autêntico e espontâneo amor entre os irmãos.

Por que Éfeso perdeu o primeiro amor?
Por que Éfeso perdeu o primeiro amor?

Como recuperar o primeiro amor

Lembra-te, pois, de onde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras; quando não, brevemente a ti virei, e tirarei do seu lugar o teu castiçal, se não te arrependeres.
Apocalipse 2:5

A igreja de Éfeso tinha o ímpeto de fazer boas obras; tinha a “paciência” ativa capaz de triunfar até no meio da derrota; mas ali tinha desaparecido o amor. Cristo, então, exorta aos efésios a dar os três passos que devem levá-los de volta.

(1) Primeiro lhes diz “lembra-te”. Deve destacar-se que Cristo não está falando aqui com alguém que nunca esteve na Igreja; dirige-se aos que são membros da Igreja mas que, de algum modo, perderam o caminho. A lembrança pode, às vezes, ser o primeiro passo no caminho da reconsideração.

Num país longínquo, o filho pródigo lembrou do seu lar (Lucas 15:17). Para ele, lembrar-se da vida que tinha nas terras com o pai que o amava foi o primeiro passo de sua volta para a casa.

O’Henry escreveu um conto que vem ao caso. Havia um rapaz que foi criado num povoado; na escola daquele povoado, o rapaz se sentava junto a uma garota, doce, suave e inocente. O rapaz, ao crescer, foi à cidade, caiu em más companhias e se transformou num perito ladrão.

Um dia estava na rua e acabava de roubar uma carteira sem que sua vítima se desse conta. Sentia-se satisfeito pelo que tinha feito. De repente viu que alguém se aproximava. Era a garota que tinha se sentado a seu lado durante a escola primária, em seu povoado. Seguia sendo a mesma, doce, inocente e agradável. Ela não o viu; o rapaz tampouco quis dar-se a conhecer. Mas vê-la na rua bastou para que lembrasse o que tinha sido e tomasse consciência do que era. Posou sua cabeça ardente contra o ferro frio de um farol e disse: “Deus, quanto me odeio!”.

A lembrança lhe tinha conferido a possibilidade de dar seu primeiro passo no caminho da volta. Uma das melhores coisas a serem feitas antes de corrigir uma situação distorcida ou melhorar nossas vidas é lembrar do que nos desviou do nosso caminho.

Em segundo lugar, Cristo diz: “arrepende-te”. Quando descobrimos que fizemos algo mau, e quando lembramos de onde caímos, são possíveis várias reações. Podemos sentir, desesperadamente, que não há nada belo que dure toda a vida, nem nada com brilho que não se torne opaco depois de um tempo. Nesse espírito, aceitamos “o inevitável”.

É possível, também, que nos sintamos cheios de ressentimento, e que joguemos a culpa na vida em vez de reconhecer nossa parte da responsabilidade. É possível nos tornarmos pessoas amarguradas e ressentidas, cheias de ira contra o mundo em geral, atribuindo nossos defeitos a outros; não aceitando que, simplesmente, agimos mal.

Cristo diz: “arrepende-te”. O arrependimento significa admitir que nós tivemos a culpa, junto com a experiência de santa tristeza que acompanha sempre tal reconhecimento.

A reação do Filho Pródigo foi: “Levantar-me-ei, e irei ter com o meu pai, e lhe direi: Pai, pequei…” Não voltou com desculpas, nem para jogar a culpa do que tinha feito em outros. “Pequei” (Lucas 15:18). Quando Saul reconhece sua própria loucura, seu grito é de dor: “Eis que tenho procedido como louco e errado excessivamente” (1 Samuel 26:21). O mais difícil no arrependimento é a aceitação da responsabilidade pessoal por nosso fracasso e queda, porque quando aceitamos a responsabilidade que nos cabe certamente deve seguir a tristeza por ter ofendido a Deus.

Em terceiro lugar, Cristo diz: “Volta à prática”. A tristeza do arrependimento não deve nos conduzir ao desespero. Tem como significado nos incitar a duas coisas. Em primeiro lugar, a nos lançarmos nos braços da graça de Deus, dizendo somente: “Senhor, tem misericórdia de mim, pecador.” Em segundo lugar, a nos fazer produzir frutos dignos do arrependimento. Ninguém se arrepende de algo e o segue fazendo depois.

A prova e o fruto do arrependimento é uma vida redimida, transformada por nosso esforço e pela graça de Deus que age em nós.

Os três passos para recuperar o primeiro amor são lembrar, arrepender-se e agir.

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Eli Moreira
Eli Moreira é pastor e escritor. Fundou o Redenção para comunicar a mensagem da paz de Jesus à diversidade cultural de nosso País. Todos são convidados para irem aos nossos encontros às 20h30 na Rua Augusta 2283 - São Paulo, SP.