Como surgiram as universidades?

As universidades surgiram no período medieval em um contexto marcado por grandes desenvolvimentos intelectuais: os séculos XII e XIII foram palco de debates constantes na Europa Ocidental sobre inúmeros temas. Por isso, os pensadores se reuniram para formar instituições exclusivamente dedicadas ao saber. Entenda nesta matéria como se deu o processo de criação das universidades e o papel do cristianismo nessa história.

Universidades, as instituições do saber

O chamado Ensino Superior em si é uma invenção moderna. Mas a educação dos saberes acadêmicos é uma prática muito antiga. Podemos citar o exemplo da Academia de Platão (428 – 347 a.C.) e o Liceu de Aristóteles (384-322 a.C.). Ambos são conhecidos por serem instituições de grande difusão de conhecimento, principalmente da retórica, matemática, astronomia, e filosofia. Também podemos citar os centros de ensino árabe do século VII, como a mesquita de Cairuão, no Norte da África, onde se ensinava o árabe, teologia, medicina, botânica e outros áreas.

No Ocidente, as universidades surgiram no século XII, graças aos pensadores medievais. Elas se caracterizaram pela sistematização da produção intelectual, e do ensinamento desses saberes. Nasceram principalmente a partir das escolas catedráticas, que existiam ao lado das igrejas para ensinar teologia e filosofia para os clérigos.

O cristianismo influenciou a criação das universidades na medida em que os pensadores da época sentiram a necessidade de explicar o mundo através da Fé conciliada com a Razão. Pra isso, retomaram em grande parte o pensamento greco-romano, em especial a filosofia aristotélica. Assim, as universidades do norte da Europa seguiram esse paradigma de debates filosóficos e teológicos. Em contrapartida, na Itália, os intelectuais sentiram a necessidade de discutir a relação dos códigos legais do Direito civil e dos princípios eclesiásticos do cristianismo do Direito canônico.

Além disso, as cidades passaram a ganhar importâncias especiais nesse período. Se antes as pessoas preferiam se fixar nos campos rurais, agora o espaço urbano tinha se tornado um atrativo, devido à melhoria das condições de subsistência. Foram formados centros de atividades econômicas e de atividades intelectuais, inclusive sobre Direito. Eram tempos de grandes reformas nas igrejas e nos movimentos monásticos. Nesse contexto, os clérigos tinham o objetivo de se emancipar das dependências dos senhores laicos, principalmente dos reis e imperadores.

Os estudos religiosos marcaram o desenvolvimento dos estudos acadêmicos.
Os estudos religiosos marcaram o desenvolvimento dos estudos acadêmicos.

Modelos de organização das universidades

O contexto histórico foi essencial para o surgimento das universidades. As escolas religiosas estavam desenvolvendo métodos de comprovar a prioridade das igrejas em relações aos senhores laicos, e isso impulsionou novas produções intelectuais. Gradualmente, as escolas alcançaram estatutos autônomos, que culminaram na formação da grande universitas, uma comunidade de mestres e professores. Esse foi o padrão desenvolvido no norte da Europa, principalmente por influência da Universidade de Paris.

Por outro lado, as coisas foram diferentes no sul. Se na França as principais discussões eram teológicas e filosóficas, na Itália as principais considerações eram sobre o Direito civil e canônico. Neste último contexto, o ponto mais relevante foi em Bolonha. Enquanto a Universidade de Paris foi essencialmente uma instituição clerical, a Universidade de Bolonha foi preponderantemente uma universidade laica, na qual se formavam principalmente advogados. Nela os estudantes possuíam muito mais relevância do que na França, chegando a firmarem uma corporação de alunos.

Vale lembrar que essa diferença se dava muito por conta da diferença de estruturas das duas regiões. Na França, a monarquia e os senhorios permaneciam mais conservadores, e os alunos clérigos eram considerados submissos aos seus professores. Já nas cidades italianas, a diversidade de poderes políticos possibilitou que os alunos laicos tivessem importâncias grandes em relação aos seus professores.

O ensino nas universidades

Como dissemos, o ensino nas universidades variava de região para região. Mas podemos dizer que de um modo geral elas se concentravam basicamente em ensinar as artes liberais e formalizar faculdades específicas, como Direito, Filosofia, Teologia e Medicina. As artes liberais são um conjunto de sete disciplinas herdadas dos saberes greco-romanos, consideradas as bases do conhecimento. São elas: gramática, lógica, retórica, aritmética, geometria, astronomia e música. Esses paradigmas não eram seguidos totalmente por todas as universidades, nem mesmo ensinavam tudo isso.

Antes das universidades, os monastérios tinham ocupado o posto de principal instituição intelectual medieval da Europa. Eles eram organizações mais abertas e conectadas com as pessoas laicas, antes das regras dominicana e franciscana. Com essas duas ordens, os monastérios passaram a se fechar para as comunidades. Os monges medievais se dedicaram muito à prática de cópia dos manuscritos greco-romanos e dos livros da Bíblia. Além das atividades de ensino, suas práticas também estavam centradas na oração e meditação.

Arte do período medieval que reflete a autoridade dos mestres do ensino. Fonte: Wikipedia.
Arte do período medieval que reflete a autoridade dos mestres do ensino. Fonte: Wikipedia.

A Universidade de Bolonha

A Universidade de Bolonha, na Itália, é considerada a mais antiga do mundo. Segundo a tradição foi fundada em 1088 e está em operação até hoje. Alguns chegam a afirmar que nos primeiros momentos funcionava como uma espécie de clube, no qual homens se reuniam para ter aulas de direito. Era como se os professores fossem contratados para ensinar. O acesso a ela era pago, e fornecia inúmeros benefícios aos frequentadores, como foro privilegiado e imunidade contra dívidas.

Os alunos administravam seus próprios assuntos e controlavam suas condições de estudo. As universidades italianas seguiram seu modelo, como grandes corporações de estudantes. Embora diferente da estrutura eclesiástica das universidades francesas, Bolonha se desenvolveu também através do crescimento do Direito canônico, que se tornou uma base forte para o pensamento ocidental. Se tornou um grande centro de estudos canônicos, bem como de direito civil.

Em suas produções, eram abordados temas da organização e racionalização do Estado medieval, tendo grande importância para a formação das instituições ocidentais. A graduação em Bolonha era considerada a mais alta honra acadêmica do mundo. O Direito moderno não teria se desenvolvido sem os preâmbulos desta universidade.

Hoje, a Universidade de Bolonha é constituída por 11 escolas e 33 departamentos. E contém cerca de 90 mil estudantes. Além disso, está entre as melhores universidades do mundo e possui uma influência grande na Itália.

Universidade de Bolonha na Itália.
Universidade de Bolonha na Itália.

A Universidade de Paris

A Universidade de Paris foi o oposto de Bolonha. É considerada a segunda ou terceira universidade mais antiga do ocidente. Foi fundada no século XII, a partir da escola catedrática de Notre-Dame. De início, era o bispo quem nomeava os professores e controlava o ensino. Lá, a hierarquia de mestres e alunos influenciou o paradigma por todo o norte da Europa.

Quando o número de estudantes cresceu, a escola de Notre-Dame se tornou pequena para abrigar o corpo acadêmico. Assim, os professores foram autorizados a abrir escolas ao redor da igreja. Eles foram os responsáveis por se unir a fim de garantir que suas produções fossem protegidas e continuadas. Desse modo, formaram uma grande corporação de mestres de Paris, a chamada universitas. As escolas mantinham-se autônomas, porém unidas ao conselho acadêmico. Para liderá-lo surgiu o posto do reitor, que servia como uma ponte entre a Universidade, o governo e a Igreja.

As ordens dominicana e franciscana praticamente dominaram o ensino na Universidade. Ela se tornou o maior polo acadêmico do norte da Europa e a maior autoridade em Teologia e Filosofia. Também eram ensinadas outras disciplinas, principalmente artes e Medicina. Entre seus famosos professores podemos citar: São Boaventura, São Tomás de Aquino, Santo Alberto Magno, Abelardo, Egídio de Roma, Mateus de Aquasparta. Muitos deles eram pensadores italianos, que se moveram até Paris para estudar e lecionar.

Em 1970, a Universidade de Paris foi dividida em 13 universidades independentes, devido entre outras coisas ao seu tamanho considerável. Isso aconteceu através de um ato de governo, sob a justificativa de reforma do Ensino Superior francês. No entanto, desde 2018 estão sendo implementadas tentativas de reorganização e reagrupamento das unidades. Isso por conta da desqualificação internacional, uma vez que as partes passaram a não receber os mesmos prestígios que antiga universidade recebia.

A Sorbonne Université surgiu da união entre a unidade 4 e a Université Pierre et Marie Curie, que agora abriga os cursos de Letras, Musicologia, Medicina, Ciências e Engenharia, se tornando a principal unidade. As demais são conhecidas por números, como a Université Panthéon-Sorbonne – Paris 1, especializada em cursos de humanidades, direito, ciências sociais e políticas.

Prédio da Sorbonne Université, principal unidade da antiga Universidade de Paris. Fonte: Wikipedia.
Prédio da Sorbonne Université, principal unidade da antiga Universidade de Paris. Fonte: Wikipedia.

A Universidade de Oxford

Em Oxford, foram os aspectos científicos e matemáticos que mais foram estudados. Desde o início, a Universidade alcançou um status de cientificidade maior do que as demais. Há um debate sobre a data exata da fundação, mas a tradição é que tenha sido em 1096. Por isso, seria mais antiga que a Universidade de Paris. Mas com certeza é a mais antiga do mundo anglófono.

Depois de sua fundação, Oxford teve uma grande importância para toda a história da Inglaterra. Os estudantes ingleses, no começo, ainda eram atraídos para outros lugares, mas o rei Henrique II em 1167 proibiu o deslocamento para outras universidades, fazendo com que Oxford se desenvolvesse bastante. Lá eram estudadas as mesmas matérias que na Universidade de Paris, mas o foco era o desenvolvimento científico mais do que a filosofia e teologia. Mas também houve muita influência franciscana em Oxford, embora tenha predominado o estudo da natureza, da investigação das coisas lógicas e matemáticas.

Algumas intrigas entre insatisfeitos com a violência em Oxford, fizeram com que alguns acadêmicos fugissem para Cambridge, onde no século XIII, fundaram uma nova universidade. A rivalidade entre as duas universidades é histórica, e se mistura à própria história da Inglaterra.

No século XIX, as ciências se desenvolveram aos montes, e Oxford foi uma das pioneiras do mundo. Foram sendo criadas faculdades específicas para cada disciplina acadêmica, principalmente as ciências naturais. Outra curiosidade, é que as mulheres só passaram a ser aceitas em Oxford em 1875 e mesmo assim não recebiam títulos acadêmicos. Apenas em 1920 elas conseguiram o direito de se formar da mesma forma que os homens.

Hoje, a Universidade de Oxford é uma instituição de ensino pública e ocupa quase toda a vida social dos habitantes da cidade. Estima-se que quase 70% da cidade vive em torno da operações da Universidade. É composta por 39 faculdades, entre as quais há diversos departamentos, bibliotecas e instalações científicas. Segue sendo uma das universidades mais renomadas do mundo, figurando frequentemente entre as 5 melhores em produções científicas.

Muitas personalidades importantes se formaram e deram aulas por lá. Foi a casa de 26 primeiros-ministros britânicos, entre eles David Cameron e Margareth Tatcher, de 50 vencedores do prêmio Nobel e outros líderes mundiais, como o ex-presidente Bill Clinton. Grandes autores mundiais da literatura também passaram por Oxford, como C.S. Lewis, autor das Crônicas de Nárnia, Lewis Carrol de Alice no País das Maravilhas e J.R.R. Tolkien de O Hobbit e O Senhor dos Anéis.

Os prédios da Universidade de Oxford se confundem com a própria cidade.

Universidades no Brasil

Embora as universidades tenham se originado dentro de um âmbito religioso, e na maior parte imperasse o ensino da doutrina católica, hoje as universidades em sua maioria assumem caráter laico e completamente desvencilhado das religiões. No Brasil, o grosso das universidades que têm por princípios o ensino, a pesquisa e a extensão para fora dos muros universitários, são instituições públicas, sustentadas pelos governos federal ou estaduais. São exemplos respectivamente, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a mais antiga do Brasil, e a Universidade de São Paulo (USP), a brasileira mais conceituada dentro e fora do país.

Como dissemos, as universidades estão alicerçadas pelos princípios do ensino, pesquisa e extensão. Em outras palavras, não são feitas apenas para ensinar alunos, mas para produzir o próprio material de ensino por parte dos professores e demais pesquisadores convidados. Além disso, o terceiro objetivo faz referência à pretensão da universidade em se mostrar comprometida com a sociedade, por isso ela é encarregada de desenvolver atividades que integrem as diferentes parcelas sociais. Dessa forma, a universidade abrange não apenas o corpo docente e estudantil, bem como todos os que estiverem dispostos a participar das ações propostas para a extensão universitária.

Praça do Relógio, no campus da capital da USP. Crédito: Agência USP.
Praça do Relógio, no campus da capital da USP. Crédito: Agência USP.

No entanto, algumas universidades privadas também mantém essa mesma pretensão em três pilares constitutivos. A maior parte delas são universidades confessionais, ou seja, instituídas a partir de um cunho religioso e sem fins lucrativos. Podemos citar grandes exemplos, como a as universidades presbiterianas, as metodistas e as católicas. Em São Paulo, se destacam a Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e a Universidade Presbiteriana Mackenzie. Escolhemos o Mackenzie para falar um pouco sobre os objetivos de uma universidade confessional no Brasil.

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Campus de Higienópolis.
Campus de Higienópolis.

O Mackenzie iniciou suas atividades escolares em 1870, quando um casal de missionários presbiterianos George e Mary Ann Annesley Chamberlain chegou à cidade de São Paulo. Mary recebeu meninos e meninas para a escola que se iniciava, fazendo valer o princípio de não fazer distinção entre sexo, credo ou etnia, o que permanece até hoje. No ano seguinte, fundaram formalmente a Escola Americana, precursor do Colégio Mackenzie, com o objetivo, de incluir jovens e crianças aos estudos, inclusive os filhos de escravos.

Em 1879, a baronesa Antonina vendeu sua chácara em Higienópolis ao reverendo Chamberlain, possibilitando que as atividades da Escola comandadas pelo casal fossem para lá. A fama da Escola chegou aos ouvidos do advogado americano John Theron Mackenzie, que mesmo nunca tendo vindo ao Brasil, deixou em seu testamento, uma doação à Igreja Presbiteriana estadunidense para que se construísse no Brasil uma escola de Engenharia. Daí então, surgiu o nome utilizado até hoje: Mackenzie.

Conversamos com a reitoria do Mackenzie, para nos explicar melhor o contexto de fundação da universidade.

O Mackenzie surgiu há 68 anos, decorrente do crescimento da Instituição educacional criada por missionários presbiterianos norte-americanos há exatos 150 anos. Em fevereiro de 1896, teve início o curso da Escola de Engenharia Mackenzie, com diplomas ainda expedidos pela Universidade de Nova Iorque. Na década de 1940, foram criados novos cursos, como a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (1946); Faculdade de Arquitetura (1947); e a Faculdade de Ciências Econômicas (1950). Com essas quatro escolas superiores, em 1952, o Mackenzie é reconhecido como universidade pelo então presidente Getúlio Vargas. Em 1955 teve início a primeira turma da Faculdade de Direito. Em 1965, o Mackenzie nomeia Esther de Figueiredo Ferraz como reitora, a primeira mulher a assumir esse cargo em universidades brasileiras

Reitoria do Mackenzie

A reitoria ainda afirmou que o objetivo do Mackenzie enquanto universidade confessional é cumprir sua missão, constante, de manter sua identidade institucional. Ou seja, “educar o ser humano, criado à imagem de Deus, para o exercício pleno da cidadania, em ambiente de fé reformada”. Por fim, perguntamos se existe existe algum objetivo religioso que a universidade tenha como princípio ou objetivo, e se existisse, o que é feito para cumprir tais percepções. Afirmaram:

Não existe um objetivo religioso, mas o Mackenzie possui, dentre outros princípios e valores, “em todas as circunstâncias, agir com amor que é o vínculo da perfeição”.

Reitoria do Mackenzie.

Como dissemos, o Mackenzie é uma instituição de pesquisa e ensino filantrópica, sem fins lucrativos, mantida pelas mensalidades dos alunos e pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie.

Você também é convidado(a) para nossos encontros no auditório
da Av. Paulista 2200 - todos os domingo às 11h e às 19h.

Equipe Redenção
A Equipe Redenção é formada por pastores, escritores, estudantes e entusiastas do Evangelho. Queremos apresentar o plano de redenção de Jesus Cristo a todo o mundo, através da internet e destes textos. Todos são convidados para os nossos encontros aos domingos às 19h na Rua Augusta 2283 - São Paulo, SP.