Oração e meditação: duas manifestações historicamente distintas

Sendo práticas religiosas que integram crenças e ensinamentos, a oração e as meditação apresentam origens, sentidos e propósitos diferentes. Ao contrário do que muito se pensa, uma religião não é simplesmente uma crença, ou um conjunto de princípios básicos, muitas vezes resumidos no amor ao próximo. É uma dimensão do aspecto privado da vida social e material, alicerçada sobre três pilares constitutivos: crenças, práticas e ensinamentos; eles não são dados evidentes e explícitos, mas podem ajudar a entender muitos fenômenos relacionados às religiões, afinal são seus elementos mais importantes.

Oração e meditação: duas manifestações historicamente distintas
Meditação budista | Fonte: Wikipédia

Embora possamos caracterizar a religião como pertencente a um referencial particular da vida das pessoas – mesmo que no dia a dia saibamos que ela acaba interferindo em muitos pontos da esfera pública, principalmente a política – os historiadores estão convencidos de que essa realidade nem sempre foi assim. Na verdade, na maior parte da história foi justamente o oposto.

Religião x Meditação

Se antes das revoluções dos séculos XVIII e XIX as religiões possuíam caráter público totalizante, pois estavam imbricadas em todos os aspectos da existência social, desde a economia até a política, no presente elas permanecem separadas oficialmente do Estado. Ou seja, elas mantêm o sentido atual do termo, como uma esfera da vida privada. Nesse sentido, a contextualização histórica do significado de religião nos permite constatar que uma vez tendo sido concebida como um movimento totalizante, hoje trata-se de uma configuração particular, apoiada em três suportes sumários, que quase sempre se misturam e se combinam de formas diferentes. Duas dessas combinações são as orações e as meditações, das quais iremos tratar com mais detalhes.

Antes, vamos falar brevemente das propriedades conceituais dos três pilares que estruturam uma religião. Em primeiro lugar, as crenças referem-se às verdades determinadas pelas instituições religiosas, elas formam um complexo de dogmas, por isso inquestionáveis, a respeito do mundo, da humanidade e do sagrado. Algumas religiões, como o budismo, não possuem divindades; assim é importante ressaltar que as crenças não estão necessariamente ligadas a um deus ou aos deuses, mas sim ao sagrado, que pode ser visto como um referencial a ser alcançado ou comunicado – guarde bem esta última palavra porque ela vai ser importante mais para frente. As práticas, por outro lado, representam as atividades ritualísticas, ou litúrgicas, que devem ser feitas de forma correta para atingir os objetivos pressupostos pelas crenças. Já os ensinamentos significam propostas para o convívio social e para a relação do ser humano com a natureza; em outras palavras, é a concepção de determinada religião sobre qual a melhor maneira de interagir socioambientalmente.

A oração e a meditação são combinações que transparecem as crenças e os ensinamentos das religiões, configurando-se como práticas observáveis e até mesmo litúrgicas. É nesse aspecto que podemos enxergar esses fenômenos, como duas manifestações distintas, porém relacionadas, que permeiam o senso religioso. A meditação costuma ser entendida como um enfoque, uma concentração ampliada em alguma substância. No caso do budismo, um dos movimentos mais alinhado com o fenômeno da meditação, ela visa o controle do corpo e da mente, o autoconhecimento e principalmente a libertação em direção à iluminação.

É uma manifestação muito antiga, bastante difundida a partir de meados do século VI a. C. pelos princípios de Sidarta Gautama, o Buda, título dado geralmente a ele, mas também associado ao alcance do entendimento dos propósitos da natureza e da humanidade, estágio este denominado de Nirvana. É precisamente por conta desse ensinamento que a meditação budista está inferida na busca contínua e incessante pelo Nirvana, representando uma luta contra os desejos, as vontades e os apegos, a fim de que se possa conhecer uma verdade maior, uma emancipação espiritual em direção ao interior, buscando compreender o sentido último e metafísico das coisas. Sendo, portanto, uma prática constantemente presente na vida dos budistas.

Em contrapartida, as experiências mais intensas de meditação no cristianismo desenvolveram-se como reação ao modo como as igrejas oficiais conduziam a cristandade, mais ou menos, na passagem da Antiguidade para a Idade Média, na Europa ocidental dos séculos IV ao VI. Esses descontentamentos originaram-se tanto no meio dos leigos, quanto nos contextos clericais, fazendo surgir uma nova ordem religiosa, chamada de monastério. Os mosteiros configuraram importantes instituições intelectuais e religiosas durante todo o Medievo; foram responsáveis pela produção e manutenção de muitos conhecimentos dos mais variados tipos, que chegaram até nós por meio de cópias manuscritas de tradições literárias, como os clássicos postulados greco-romanos e até mesmo os textos bíblicos.

Oração e meditação: duas manifestações historicamente distintas
Mosteiro Medieval | Fonte: historiadomundo.com.br

Porém, a mais marcante manifestação dos monges medievais foi a meditação. Eles possuíam o objetivo de libertar-se de desejos e vontades materiais, semelhantemente aos budistas, todavia com uma diferença significativa. Suas principais considerações eram demonstrar a pureza e a devoção de suas almas. Uma vez que Deus havia dado tudo aos homens, era necessário doar de voltar a ele; esse era o pensamento de muitas sociedades medievais. Para os monges, o dom retornado a Deus era uma vida inteira de servidão, por meio das meditações e orações. Com o passar do tempo, essa prática foi reproduzida fora dos monastérios, chegando a ser introduzida amplamente nas igrejas cristãs como maneira de demonstrar para Deus um controle rígido do corpo, reservando-se, assim, do pecado.

Em oposição ao cristianismo, o budismo não faz uso, ou não costuma fazer, da nossa segunda combinação observada, a oração. Isso acontece porque a meditação é essencialmente voltada para dentro, para o interior; característica perfeitamente concernente aos propósitos budistas. A oração, no entanto, é orientada para fora, ao exterior. Ela é uma manifestação, baseada em crenças e ensinamentos, praticada para a conversação, como o próprio nome já indica. Assim como a conversa pressupõe comunicação, a oração deve ser entendida da mesma forma.

Sob esse aspecto, a prática da oração, como mencionado acima, remonta às passagens bíblicas. Abraão foi chamado por Deus para ser o patriarca do povo de Israel (Gênesis 12); essa conexão, segundo o texto bíblico, foi feita diretamente, sem nenhum intermediário, como uma interlocução normal. Desse modo, ficou estabelecido o ato de clamar a Deus como uma oração, simplesmente conversar com Ele; uma prática reproduzida em toda a Bíblia, e seguida pelas três principais religiões monoteístas do mundo: judaísmo, cristianismo e islamismo, todas derivadas da fé abraâmica. As religiões politeístas, em dessemelhança, não costumam, ou não costumaram, fixar diálogos tão abertos com suas divindades, apenas comprometiam-se a realizar práticas mais sacrificiais e ritualísticas.

Judaísmo e Islamismo

As orações judaicas são definidas apenas como o diálogo com Deus, não há obrigações muito rígidas sobre como ou quantas devem ser feitas, mas boa parte são realizadas nas sinagogas. No Islã, ao contrário, há algumas observações mais concretas. Todo muçulmano precisa orar diariamente cinco vezes, voltado para Meca, a cidade sagrada. Esse conjunto é um dos cinco pilares do islamismo, o que significa que ele é um elemento importantíssimo para esta religião. Elas devem ser feitas em etapas, não em horas, que correspondem ao curso do sol. Fajr é a oração do alvorecer; Dhur, do meio-dia; Asr, entre o meio-dia e o pôr do sol; Maghrib, logo após o pôr do sol; Isha, de noite. É preferível que sejam realizadas nas mesquitas, publicamente, nas quais há a indicação apontando para que lado deve-se orar.

Cristianismo

Já no cristianismo, a oração assume particularidades que se somam aos modelos judaicos. Jesus, segundo os evangelistas, teria orientado seus discípulos a orarem em conjunto, especialmente diante das refeições, a fim de que possam conhecer melhor os desígnios de Deus e agradecê-lo por suas providências. Além disso, Jesus também ofereceu um modelo universal de oração, o tão conhecido “Pai Nosso”, que contém os propósitos fundamentais do pensamento de Cristo e de seus seguidores. Esta oração indica que Deus é Pai para os cristãos – mesmo que possa parecer óbvio para nós, era uma visão revolucionária dentro do universo judaico na Palestina do século I, no qual o cristianismo originou-se -, além de suplicar pela vinda do Reino de Deus, o maior conteúdo das ideias de Jesus, o qual representa um estado de paz e justiça. O “Pai Nosso”, igualmente interpola o pão de cada dia, o perdão dos pecados e a manutenção da integridade espiritual, apartada do pecado; evidenciando, dessa forma, o núcleo básico do pensamento cristão da maneira como foi originalmente concebido. Ademais, esse tipo de oração repetitiva costuma ser chamada de reza.

Por fim, as orações cristãs costumam possuir, além desses citados, outros significados mais específicos para cada uma das diversas denominações. Um dos casos a se pensar é o uso feito pelas igrejas reformadas. Para elas, as orações servem essencialmente para que se possa clamar pela vida de todas as pessoas, isto é, interceder pela salvação dos seres humanos. Elas ainda podem atender a imprevistos, como as súplicas, que pedem por um atendimento urgente; ou a pedidos constantes, como a proteção, a progressão espiritual e os desempenhos materiais. Servem também para agradecer a Deus por tudo, em especial pelas providências, já que não se deve apenas pedir coisas a Ele. Segundo os reformados, é desejo de Deus que todos os homens sejam salvos, e é dever dos eleitos que espalhem a palavra, dentre outras práticas, por meio da oração.

Assim, a oração e a meditação são práticas distintas, apesar de que podem ser amplamente relacionadas, dependendo da religião, como no caso do cristianismo, que faz uso constante das duas manifestações. Enquanto os adeptos do budismo não praticam a oração, os seguidores do judaísmo e do islã não possuem a tradição de meditar. Da mesma forma, ao passo que a meditação é uma atividade orientada para o interior, a oração se estabelece como uma conversa com Deus, na qual são adicionados pedidos e agradecimentos.

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