Por que a Idade Média é chamada de Idade das Trevas? Curiosidades e perspectivas

O período medieval (476 – 1453) é constantemente referido como uma época de atrasos e domínio absoluto da Igreja Católica. Por quê? Quais foram os motivos que levaram a Idade Média a ser conhecida como uma idade de Trevas? Vamos comentar um pouco sobre isso e outras curiosidades a respeito do período.

A Idade Média

Grande parte do imaginário que possuímos a respeito da Idade Média vem a partir de filmes, séries, livros e outras produções. Nessas obras, frequentemente somos levados a pensar que se tratou de um período obscuro e atrasado. Mas os historiadores e pesquisadores têm nos mostrado que esses julgamentos são percepções que não condizem com a realidade vivida pelas pessoas nessa época. Em outras palavras, significa que não devemos simplesmente achar que as crenças e práticas da Idade Média fossem realmente atrasadas para as condições sociais e materiais que eles possuíam.

Para falarmos em Idade Média, precisamos saber que trata-se de uma expressão artificial. As periodizações históricas não são realidades concretas e imutáveis, são referências utilizadas apenas no próprio estudo da história. Podemos sim nos referir à Idade Média como uma abstração, mas na prática não é possível estabelecer um começo e fim determinados para o período.

Contudo, comumente tem-se colocado a Idade Média entre a “Queda” de Roma em 476 e a “Queda” de Constantinopla em 1453, duas datas muito questionáveis. Não há um consenso sobre a veracidade e importância desses eventos, uma vez que as pessoas que vivenciaram esses acontecimentos não sentiram muitas mudanças em suas vidas.

A Idade Média foi uma época de preservação do legado greco-romano, de grande diversidade, de desenvolvimento intelectual e da formação dos estados europeus. Não podemos julgar as pessoas dos períodos anteriores como essencialmente melhores ou piores, elas foram reflexos de suas próprias épocas. A Idade Média que temos em nosso senso comum é recheado de preconceitos e julgamentos que caem na medida que estudamos sobre as particularidades e as fontes da época. Sendo assim, temos que ter cuidado com certas afirmações e relativizar grande parte dos conteúdos que vemos nos filmes, séries e ficções.

A sociedade era marcada por fortes hierarquias. Acima do povo, o Clero e a Nobreza. Isso se refletiu nas artes do período.
A sociedade era marcada por fortes hierarquias. Acima do povo, o Clero e a Nobreza. Isso se refletiu nas artes do período.

Preservação de legados

A imprensa só foi inventada no século XV, por Johannes Gutenberg. Isso significa que antes dos livros impressos só havia obras manuscritas, que precisavam ser copiadas para serem preservadas. Todos os livros europeus antes de Gutenberg foram escritos à mão, e copiados centenas de vezes pelos intelectuais que julgassem os escritos valiosos de alguma forma. Foi assim com Homero, Heródoto, Tucídides, Platão, Aristóteles, etc; inclusive foi dessa forma que os livros da Bíblia chegaram até nós.

Muitos conhecimentos da Antiguidade só chegaram até nós por conta dos copistas medievais. Ao contrário do que diz o senso comum, a Igreja ou as instituições da Idade Média não romperam totalmente com os valores clássicos. Nunca se negou, por exemplo, que a Terra fosse esférica, esse entendimento que havia sido fixado pelos gregos antigos sempre foi preservado, só uma minoria se negava a acreditar.

Os monges medievais foram os maiores responsáveis pela preservação das obras antigas, desde filósofos, historiadores e juristas até os textos bíblicos. Eles formavam instituições conhecidos como monastérios, e representavam o clero regular da Igreja. Suas ações, além de prezar pela produção de cópias dos saberes, também remontavam às práticas de oração e meditação.

Catedral medieval Idade Média das Trevas
Típica Catedral Medieval.

As instituições medievais

Apesar de pensarmos o tempo todo em uma Igreja Católica forte e dominante durante toda a Idade Média, os historiadores estão convencidos que essa foi uma realidade prática apenas em momentos específicos. As igrejas ocidentais até o século XII possuíam autonomia em suas administrações e processos litúrgicos. Isso significa que a Igreja de Roma, liderada pelo papa, apenas mantinha uma influência moral sobre as demais, não chegando a estabelecer um domínio absoluto durante muitos séculos.

No século XI, o bispo de Roma, o papa, empreendeu uma reforma eclesiástica, conhecida como Reforma da Igreja, ou como chamavam antes, Reforma Gregoriana. Ela entrava na questão das investiduras, que são as nomeações dos cargos das igrejas. Essa posição estava sendo controlada pelos reis e imperadores laicos, o que desagradou os membros do Clero, que passaram a lutar por um maior controle interno e unidade entre os clérigos. Em outras palavras, os membros das igrejas não estavam mais aceitando que os senhores laicos interferissem nas nomeações dos cargos eclesiásticos, e isso abriu uma brecha para que a Igreja de Roma se consolidasse como superior às demais.

Em muitos momentos, as igrejas e instituições medievais foram cruéis e controladoras, como na instalação da Inquisição e das Cruzadas. Muitos métodos de tortura foram utilizados nos julgamentos para culpabilizar os hereges. No entanto, devemos ter em me mente que as inquisições modernas foram muito piores que as medievais, embora se pense comumente o contrário. Além disso, as cruzadas e as inquisições também eram compostos por interesses laicos, que buscavam maiores controles sobre a política, economia e cultura das pessoas.

A aristocracia laica sempre teve interesse em ampliar e manter seus domínios, e um modo de manter a submissão das populações aldeãs sobre suas dependências. Isso não minimiza a participação dos clérigos em muitos desses interesses e meios controladores que ajudaram a formar uma ideia negativa do período medieval. A intolerância religiosa que se desenvolveu foi devastadora, e os não-cristãos e hereges foram constantemente perseguidos. Foi na Idade Média que se desenvolveu o antissemitismo, que é o ódio aos judeus, e igualmente a aversão aos muçulmanos. Eram raras as ocasiões em que as instituições cristãs tinham tolerância com outros credos e religiões.

Mosaico medieval representando Jesus. Foi na Idade Média que se criou o mito de sua origem branca e caucasiana.
Mosaico medieval representando Jesus. Foi na Idade Média que se criou o mito de sua origem branca e caucasiana.

O pensamento medieval e as universidades

Conversamos com a professora Maria Cristina Pereira do Departamento de História da USP sobre o pensamento medieval. Nos informou: “Havia muitas discussões e debates, houve muitas mudanças ao longo do tempo”. É comum acharmos que um período se caracteriza por propriedades sólidas e estáticas, mas a realidade histórica que se coloca é plural, diversificada e de uma complexidade irredutível. Ainda afirmou: “Não é possível pensar no cristianismo, nem na Igreja, como um bloco homogêneo e imutável”. A Idade Média, como outros períodos, era profundamente marcada pela religiosidade, mas outros fatores, políticos e econômicos, também influenciavam as relações sociais.

Nos séculos XII e XIII foram fundadas as universidades europeias e iniciou-se um período de muitos debates e discussões sobre filosofia, direito e teologia. Os pensadores da época retomaram grande parte da filosofia aristotélica, e dedicaram seus trabalhos a conciliar a fé e a razão. O maior desses filósofos foi Tomás de Aquino, principal nome da corrente filosófica Escolástica. As universidades marcaram muito o desenvolvimento do pensamento ocidental e representaram o início das discussões científicas que tomaram força nos séculos seguintes.

O Cristianismo medieval e a caridade

Podemos mencionar uma característica muito positiva do cristianismo medieval, que é um dos sistemas que mais movimentou bens e objetos na época. Estamos falando do dom e contra-dom, um sistema válido até os dias de hoje entre os cristãos, embora com bem menos intensidade. O dom é uma prática de doação, como um presente ou uma ação de graça, baseado na virtude da caridade. Qualquer objeto doado com essa intenção, de bondade, pode ser considerado um dom.

Para os cristãos medievais, Deus tinha doado tudo aos homens, principalmente a vida e a salvação, logo era necessário doar de volta para Ele. Essa doação é o contra-dom, mas não pode ser feita diretamente a Deus. Por isso, os pobres assumiam essa posição de identificação com Deus, e recebiam amparos das igrejas e dos senhores em muitos momentos. Eles se baseavam na fala de Jesus “Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.” Mateus 25:40.

A Catedral de Notre-Dame em Paris é típica do período medieval, reflete a importância e grandeza das igrejas.
A Catedral de Notre-Dame em Paris começou a ser construída em 1163 e só foi terminada em 1345. Ela reflete a importância e grandeza das igrejas no período medieval.

Por que a Idade Média é vista como uma época das trevas?

O período medieval foi alvo de muitas disputas ideológicas entre aqueles que viveram depois. Muitos intelectuais ajudaram a criar uma imagem negativa dessa época porque visavam a desconstrução das ideias cristãs. Grande parte dos pensadores do Renascimento e do Iluminismo julgaram que a Idade Média fosse atrasada, justamente porque se colocavam contra os valores cristãos medievais.

Além disso, a Idade Média foi marcada por guerras, fome, pestes e outras formas de violência, o que contribuiu para a sua má reputação. A falta de iluminação e o medo constante de invasões e bandidagem também contribuíram para a sensação de insegurança e medo que marcou a época.

A expressão “Idade das Trevas” foi usada pela primeira vez no século XVII pelo historiador francês François Hotman, que a utilizou para criticar a Igreja Católica e o feudalismo. A ideia de que a Idade Média foi uma época de escuridão e atraso foi amplamente difundida no Renascimento e no Iluminismo, períodos históricos em que houve um grande avanço científico e cultural.

No entanto, é importante lembrar que a Idade Média foi um período complexo e multifacetado, e é injusto reduzi-lo a um período de escuridão e atraso. A Idade Média teve também suas próprias realizações e contribuições, como a criação de grandes obras de arte, arquitetura e literatura, e o desenvolvimento de importantes instituições políticas e econômicas.

Renascimento

Quando a imprensa foi inventada no século XV, por Johannes Gutenberg, os escritos bíblicos e greco-romanos da Antiguidade passaram a circular com força total na Europa. Diversos pensadores começaram a ter um contato maior e mais profundo com inúmeros tipos de conhecimentos e perspectivas que muitas vezes divergiam do senso comum vigente. Essa onda de revisões e discussões que foi criada e ampliada no século seguinte foi chamada, pelos próprios pensadores da época, de Renascença ou Renascimento.

Esses pensadores, como Maquiavel, Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafael Sanzio, estavam imersos em uma corrente de valorização dos atributos humanos; ou seja, concebiam visões humanistas da realidade. Suas referências idealizadoras eram as obras clássicas das antigas Grécia e Roma, por isso acreditavam que estavam contribuindo para uma retomada dos valores antigos. É nesse aspecto que o Renascimento recebeu esse nome, como um período de contraposição aos ideais cristãos medievais e uma conexão mais intensa com os conhecimentos antigos.

Em consequência disso, foi se construindo a ideia de que o período que se colocava entre o “áureo” Império Romano e a Renascença era apenas uma época intermediária, um bloco do “meio”, daí então: “medieval”. Um dos primeiros a usar o termo Idade Média foi o humanista Giovanni Andrea (1417-1475), com uma conotação negativa, uma vez que a tradição clássica havia sido interrompida por um momento de obscuridade e superstição. Daí se originou o termo “Idade das Trevas” para designar a religiosidade medieval.

Foi nesse contexto de contestação do período anterior ao Renascimento que surgiu a Reforma Protestante. Em 31 de outubro de 1517, um monge agostiniano pregou na porta de sua igreja em Wittenberg, no Sacro Império Romano-Germânico (atual Alemanha), um postulado com 95 teses desafiando a autoridade da Igreja Católica Romana. Martinho Lutero se tornou um dos símbolos da Reforma após isso, criticando principalmente a venda das indulgências (compra do perdão dos pecados) e a corrupção moral e material do Clero.

"A escola de Atenas" (1510) de Rafael Sanzio. Os renascentistas buscaram interpretar a antiguidade de uma forma específica. Os filósofos retratados não foram na maior parte contemporâneos.
“A escola de Atenas” (1510) de Rafael Sanzio. Os renascentistas buscaram interpretar a antiguidade de uma forma específica. Os filósofos retratados na obra não foram na contemporâneos.

Iluminismo

O século XVIII é conhecido popularmente como o Século das Luzes. Tal conotação parte de um sentimento provocado pelas disposições intelectuais da época, afirmadas por um grande senso de racionalismo e culto à Razão. A Ilustração é, portanto, um movimento de intensificação dos debates, certificações e enunciados filosóficos. Grandes nomes do período que se destacam são Voltaire, Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant; eles e outros pensadores influenciaram a onda de revoluções que se instalou na Europa no final do século. A principal delas foi a Revolução Francesa (1789-1799), uma marco na história ocidental que tradicionalmente é visto como a Queda do Antigo Regime.

O Antigo Regime, por sua vez, é a forma que os historiadores atuais se referem a ordem europeia que vigorou do século XV ao XVIII. Ele era caracterizado pela dominação ampla da sociedade pela Nobreza, que concentrava inúmeros privilégios, como julgamentos arbitrários e gastos exorbitantes sustentados pelos estados, na prática, pelos trabalhadores. Porém, outra classe constituinte do período era os membros da Igreja Católica, o Clero, que na França se manteve firme e poderoso mesmo com a Reforma Protestante. Os revolucionários buscaram, então, lutar contra essas desigualdades, retirando o poder das mãos do rei, do Clero e da Nobreza.

No entanto, não foi apenas o Antigo Regime que os iluministas tanto criticaram. Para influenciar os povos a se revoltar contra os clérigos e os nobres, eles figuraram perspectivas de comparação, a fim de condenar a ordem vigente por ser herdeira da concepção cristã medieval de sociedade. Em outras palavras, inspirados pelos humanistas, os pensadores da Ilustração estabeleceram suas culturas racionalistas como superiores ao valores cristãos, dando início à secularização da vida pública e incentivando a não-religiosidade. Assim, o Iluminismo contribuiu para incrementar a concepção negativa da Idade Média criada inicialmente pelos renascentistas.

"A liberdade guiando o povo" (1830) de Eugène Delacroix. Retrata bem as lutas revolucionárias influenciadas pelo Iluminismo.
“A liberdade guiando o povo” (1830) de Eugène Delacroix. Retrata bem as lutas revolucionárias influenciadas pelo Iluminismo.

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