O cristianismo influenciou profundamente a formação dos Estados-nações na Europa. Os países europeus, por sua vez, colonizaram a América e levaram com eles as religiões cristãs. A maior parte desses lugares continuam professando a fé cristã, mas de diferentes maneiras.
A formação dos países da Europa e o catolicismo
Após o esfacelamento do Império Romano Ocidental, nos séculos IV e V, a Europa se dividiu em reinos romano-germânicos independentes. Surgiram os reinos dos anglo-saxões, dos francos, dos hispânicos etc. Essa configuração foi se transformando por vários séculos até o final da Idade Média, quando os reinos assumiram posições fortes e profundamente identificadas com os monarcas. Nesse aspecto, os maiores responsáveis pela ascensão dos chamados Estados modernos foi o crescimento econômico e populacional dos reinos europeus.
Por volta do século XIV, a Europa ocidental estava divida entre três principais potências e diversos reinos menores. Os grandes Estados que se consolidaram nessa época foram o reino da Inglaterra, a França, e o Sacro Império Romano-Germânico (atual Alemanha). Já na Península Itálica, havia diversas cidades-estados independentes e em sua maior parte republicanas, como Gênova, Florença e Veneza. Enquanto isso, na região da Península Ibérica, havia os reinos de Portugal, Castela e Aragão. No século XVI, estes dois últimos se uniram e deram origem ao reino da Espanha.
Todos esses Estados eram profundamente católicos romanos. O cristianismo até o século XVI possuía apenas duas únicas vertentes oficiais, uma ocidental e outra oriental. Na Europa ocidental, os cristãos eram profundamente influenciados pela Igreja de Roma, por vários motivos, principalmente por ter sido a capital do Império Romano, e ser a sede do patriarcado de São Pedro. De acordo com a tradição católica, o apóstolo Pedro teria sido o fundador da comunidade cristã em Roma. Por isso, o bispo da Igreja romana é conhecido como papa (pai em latim), dado que o fundador da Igreja, Pedro, era o líder dos apóstolos de Jesus.
Portanto, os cristãos da Europa ocidental se identificavam bastante com o papa, porque ele era visto como o líder espiritual das igrejas. Nesse sentido, o termo “católico” quer dizer universal, e faz referência à unidade entre todas as igrejas físicas e visíveis, que estariam em comunhão espiritual e invisível umas com as outras, e lideradas pelo bispo de Roma.
Lutero e a Reforma Protestante
Embora se mostrasse um movimento extenso, muitos não concordavam com os rumos do catolicismo. Muitos dentro das igrejas e monastérios eram contrários às práticas realizadas pelos líderes da Igreja. O teólogo Erasmo de Roterdã (1466-1536) foi um deles. Ele publicou sérias críticas a respeito da corrupção moral e material do Clero da Igreja, nas quais os clérigos eram acusados de subverter os valores cristãos, através da imoralidade política e enriquecimento ilícito.
Inspirado pelas críticas de Erasmo, outros surgiram questionando os padrões impostos pelas igrejas que não conduziam com os princípios do Evangelho. O monge agostiniano Martinho Lutero (1483-1546) ficou impactado com a quantidade de indulgências (perdão dos pecados) sendo vendidas quando fez sua viagem para Roma. Nessa época, a Igreja romana estava construindo a famosa Basílica de São Pedro e também estava financiando diversos tipos de restaurações, como pinturas e reformas.
Lutero, que era de uma pequena cidade chamada Wittenberg, no Sacro Império Romano-Germânico, ficou impactado com a forma como os clérigos, padres e bispos, estavam tratando as pessoas. As indulgências eram simplesmente compradas pelos fiéis para obter o perdão dos pecados e também para garantir uma vaga no céu. Assim que voltou para sua cidade, ele passou a ler a Bíblia para estudá-la, pois desconfiava da doutrina ensinada pelas igrejas na Itália. Ao se defrontar com as cartas do apóstolo Paulo, Lutero ficou profundamente convencido de que as indulgências não poderiam salvar as pessoas, nem mesmo os sacramentos, como a penitência.
Após seus estudos, Lutero resolveu questionar publicamente os ensinamentos da Igreja. No dia 31 de outubro de 1517, ele pregou 95 teses na porta da sua igreja, em Wittenberg, que questionavam a venda das indulgências. Com isso, Lutero provocou um movimento sem precedentes, porque muitos viram oportunidades para se levantar contra a doutrina católica. Mas não seria tão fácil assim para Martinho e os demais.
Martinho Lutero pretendia reformar a Igreja. Ele não aceitou que os clérigos ensinassem que a salvação pudesse ser alcançada por meio dos sacramentos, muito menos por meio das indulgências. Também estava convencido que o sacerdócio era a principal barreira que os fiéis encontravam para buscar a Deus, uma vez que o Clero manipulava as crenças dos católicos, e não os deixava ter acesso à Bíblia.
Logo após seus atos, Lutero reuniu seguidores e apoiadores. Dentre eles, estavam os príncipes do Sacro Império, que enxergaram a oportunidade de se emancipar contra o imperador. Na época, o Império era dividido em principados, que elegiam o imperador. Mas essa eleição na prática era uma mera cerimônia, e acabava que o cargo era transmitido para membros da própria família imperial. Alguns príncipes apoiaram Lutero porque eram contra as decisões do imperador, e queriam mais liberdade e apoio das massas.
Mesmo com o apoio de muitas autoridades, Lutero foi levado a julgamento, onde se recusou a negar suas ideias. Por conta disso, ele foi excomungado da Igreja pelo papa Leão X em 1521. Esse acontecimento excluiu qualquer pretensão dos luteranos (apoiadores de Lutero) em reformar a Igreja Católica. Assim, eles passaram a se preocupar em fundar uma nova comunidade de fiéis, que ficou conhecida como Igreja Luterana. Desse modo, os luteranos abriram caminho para uma série de contestações da ordem católica, que inclusive divergiam do próprio Lutero. Nascia o movimento protestante.
O calvinismo e a Europa moderna
O movimento iniciado por Lutero hoje é chamado de Reforma Protestante. Após a Reforma, muitos católicos se converteram ao protestantismo. Os novos apoiadores das ideias dos luteranos acreditavam que a Reforma poderia ser ainda mais intensa. Foi o caso de João Calvino (1509-1564), de Genebra, na Suíça. Calvino, juntamente com outros reformadores, formulou uma doutrina totalmente diferente do catolicismo, somando aos princípios protestantes de salvação pela fé e graça a outras considerações que eles julgavam importantes, como a compreensão que as pessoas podiam ser sacerdotes de si mesmas, e a profissão de cinco princípios identificados como os cinco solas:
- Sola fide – somente salvação através da fé;
- Sola gratia – somente salvo pela graça de Deus;
- Sola scriptura – somente as Escrituras contém as verdades;
- Soli Deo gloria – somente glória a Deus;
- Solus Christus – somente fidelidade e devoção a Cristo.
Além dos Solas, os cinco pontos defendidos pelos reformadores eram:
- Depravação total – todos as pessoas encontram-se em estado de pecado e são incapazes de salvar a si próprias;
- Eleição incondicional – os eleitos de Deus foram escolhidos para serem salvos;
- Expiação limitada – o sacrifício de Cristo só é válido para os eleitos;
- Vocação eficaz – a graça de Deus, e a salvação por sua vez, são irresistíveis aos eleitos;
- Perseverança dos santos – os eleitos nunca perdem a fé.
Esse conjunto de princípios ficou conhecido como calvinismo e se tornou a principal consideração dos protestantes reformados. Se o luteranismo tinha ganhado força em grande parte do Império Germânico, o calvinismo se tornou dominante na Suíça, na Holanda, na Escócia, e em algumas partes da França e da Inglaterra. O movimento protestante na França ficou conhecido como huguenote, e na Inglaterra os calvinistas eram chamados de puritanos.
Na França e nas penínsulas Ibérica e Itálica o protestantismo não foi tão intenso, e quando tentou se expandir foi severamente reprimido. Esses Estados continuaram a apoiar o papa e a Igreja Católica, por isso a população também se manteve em sua maior parte no catolicismo.
Já na Inglaterra, o próprio rei Henrique VIII rompeu com Roma, porque o papa não quis autorizar seu divórcio para se casar novamente. Em 1534, o rei inglês criou sua própria igreja de Estado, subordinando todos os bispos católicos a ele próprio. Assim, a Igreja da Inglaterra passou a se chamar Igreja Anglicana, que na prática ainda era muito ligada ao princípios do catolicismo.
A ética protestante
Diferente do catolicismo, o pensamento Calvinista e Luteranista tinham o trabalho como uma virtude, algo que dignificava o homem, e ser remunerado pelo seu trabalho seria uma bênção divina. Para eles, os eleitos de Deus são confirmados através dos seus progressos físicos e espirituais. Por isso, a valorização do dinheiro e das atividades de produção cresceram bastante entre alguns grupos protestantes, porque viam no sucesso socioeconômico uma forma de Deus indicar a sua eleição para a salvação.
Essa valorização do trabalho pelos protestantes, e calvinistas em especial, fez com que o sociólogo e economista Max Weber (1864-1920) escrevesse um livro sobre a relação desses princípios religiosos com o desenvolvimento do capitalismo. Em A Ética protestante e o espírito do capitalismo (1905), Weber explica que grande parte do crescimento econômico da Inglaterra, e de outros países industriais, possui influência da valorização do trabalho pelos protestantes.
Os puritanos, um ramo do calvinismo na Inglaterra, foram constantemente perseguidos pelos anglicanos. Muitos deles fugiram para as colônias britânicas na América e contribuíram para o progresso econômico e político desses lugares. A formação das bases estruturais dos Estados Unidos também está relacionada aos puritanos britânicos que ajudaram a fundar o país.
Embora esteja claro para os pesquisadores e historiadores que o capitalismo possui inúmeras causas, Weber apontou que os protestantes ajudaram a incrementar o desenvolvimento dos processos econômicos. A ética protestante do trabalho e da valorização da riqueza fez com que a lógica das relações sociais passasse a gravitar mais facilmente nos princípios capitalistas de acumulação, competição e lucro.
O cristianismo nas Américas
A descoberta das Américas pelos europeus, em 1492, ocorreu um pouco antes do início da Reforma Protestante. Só que os descobridores não chegaram colonizando o continente. Foi um longo processo de planejamento colonial e reconhecimento dos territórios. No caso dos espanhóis, houve duas grandes guerras para a conquista dos impérios Asteca (no atual México) e Inca (no atual Peru). Além da ocupação e exploração dos territórios, um dos objetivos dos europeus era levar o cristianismo até os povos nativos.
À princípio, Portugal e Espanha eram os dois países mais interessados em explorar as Américas. E como dito antes, esses dois reinos permaneceram extremamente alinhados com a Igreja Católica, mesmo após a Reforma. Por isso, o papa Alexandre VI em 1493 delegou a cristianização do continente para ambos e lhes concedeu autonomia para governar as igrejas fundadas na América. No ano seguinte, Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Tordesilhas, ratificando a benção do papa e dividindo o Novo continente entre eles.
Com o processo da colonização, quase todos os territórios americanos foram explorados por Portugal e Espanha. Dessa forma, a base estrutural dessas empresas coloniais foi formada sobre o catolicismo ibérico. Podemos dizer que o Brasil e os demais países da América Latina são majoritariamente católicos por conta do processo da colonização.
Por outro lado, como dissemos, os Estados Unidos foram colonizados pela Inglaterra. À primeira vista, os ingleses tinham fixado treze colônias autônomas na América. No processo de independência, no final do século XVIII, elas se uniram e formaram um único país, e com o tempo foram conquistando o restante do interior do território.
Os puritanos formaram a maior parte dos colonos que se mudaram para a América do Norte, a fim de construir suas vidas longe da opressão anglicana na Inglaterra. Sem a intervenção dos católicos romanos, os Estados Unidos se firmaram como um país largamente protestante.
Mas a conquista teve um preço: os colonos ingleses anglicanos não se ocuparam tanto em cristianizar os nativos norte-americanos. Houve um massacre da população local, o que também ocorreu nas colonizações ibéricas.
Países protestantes e países católicos
Grande parte dos países ocidentais permitem a liberdade e pluralidade religiosa. Embora no Oriente muitos países sejam restritivos quanto a isso, há exceções como o Japão, Indonésia, Coréia do Sul e outros. Na Europa, a maior parte dos países do leste seguem o catolicismo ortodoxo, que se separou da Igreja Católica Romana em 1054. Os países do norte, na Escandinávia, são majoritariamente protestantes e apesar da Noruega e Dinamarca adotarem o modelo de Estados confessionais, a liberdade religiosa também é garantida.
No caso da Europa ocidental, os países tradicionalmente católicos, como mencionamos são: Itália, Portugal, Espanha e França. Já os países com grande participação dos protestantes, são aqueles onde a Reforma se dissipou com maior intensidade ou não sofreu severas repressões. São eles: Alemanha, Suíça e Países Baixos. Na Inglaterra, permanece o Estado confessional anglicano, que garante a liberdade religiosa, mas mantém uma população majoritariamente adepta à religião do Estado.
No caso das Américas, os Estados Unidos permanecem sendo o único país com maioria protestante. Todos os demais são de maioria católica. Mas nos últimos 30 anos, os protestantes cresceram exponencialmente na América, especialmente no Brasil. Aqui, a população católica, que no começo do século passado representava 95%, agora se mantém em 50% segundo o levantamento do Datafolha, comentado pelo G1. Já os evangélicos, termo utilizado no Brasil para se referir aos protestantes, somam 31%, enquanto a trinta anos atrás não passavam de 15%.
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