Quase tudo que sabemos sobre Jesus de Nazaré está registrado nos textos do Novo Testamento. Este está dividido principalmente entre as cartas apostólicas e os evangelhos, que relatam os grandes momentos de sua vida, como seu nascimento, sua pregação, morte e ressurreição. Os quatro evangelhos possuem três propósitos principais: expor as mensagens de Jesus; oferecer um contexto histórico coerente de seu ministério; e defender que ele é o Cristo, o messias esperado pelos judeus, através do resgate do conteúdo das ideias proféticas do Antigo Testamento.
O principal tema das mensagens de Jesus é o Reino de Deus, um estado de paz, justiça e abundância, em oposição aos reinos dos homens. Para expor essa pregação, os evangelistas reproduziram formas de expressão utilizadas por Cristo, como os milagres, os exorcismos, os discursos e as parábolas.
Três dos quatro evangelistas, Marcos, Mateus e Lucas, são conhecidos como sinóticos (semelhantes), pois possuem uma estrutura narrativa muito parecida; já João, embora não discorde dos outros, reproduz uma dinâmica interna própria. Enquanto este último nos apresenta os longos discursos existenciais de Jesus, os sinóticos principalmente expõem diversas parábolas, das quais iremos tratar com mais detalhes.
A origem das parábolas
As parábolas são pequenas narrativas que utilizam basicamente alegorias, fictícias ou reais, para transmitir uma lição moral. Apesar de terem se popularizado como uma figura de estilo característica de Jesus Cristo, elas representam um modelo muito antigo, bastante relacionado com expressões e comunicações orais, em sociedades nas quais a maior parte das pessoas eram iletradas.
Embora não se saiba exatamente quando e onde se deu a origem dessa figura, muito provavelmente as parábolas se desenvolveram nas civilizações orientais do vale do rio Indo e do rio Amarelo, na Índia e China atuais respectivamente. Os líderes do hinduísmo, e do budismo em seguida, se valeram desde o início das parábolas para comunicar lições e representações, a fim de que seus seguidores pudessem apreender significados diversos através de exemplos práticos.
Analogia vs parábola
Para diferenciarmos uma analogia de uma parábola podemos tomar como exemplo o livro de Jó, uma obra-prima da Antiguidade. Jó reflete sobre seu sofrimento, e se pergunta como Deus pode deixar que seus eleitos sofram tanto. Seus amigos mais fiéis, no entanto, lhe afirmam que tudo é consequência de seus pecados, e que Deus o está castigando por suas ações.
Porém, o livro nos indica que as adversidades de Jó não são consequências das punições divinas por seus pecados, mas sim do funcionamento complexo que o mundo físico e espiritual possui na Criação. O autor expressa, sobretudo, que há coisas que estão além da nossa compreensão, mas através da fé persistente, os sofrimentos presentes encontrarão propósitos maiores no Plano de Deus.
Ainda que possa ser aplicado como um ensinamento universal, e por isso se configurar como uma analogia, o livro de Jó não é uma parábola. A analogia pode ser uma grande narrativa que sirva de molde para uma lição; contudo, a parábola é marcada por sua estrutura simples e direta, mais curta e objetiva.
Parábolas no Antigo Testamento
No contexto judaico, alguns esquemas bíblicos podem ser considerados parábolas. É o caso de 2 Samuel 12:1-4, no qual o profeta Natã repreende Davi por seus erros. Veja:
E o SENHOR enviou Natã a Davi; e, apresentando-se ele a Davi, disse-lhe: Havia numa cidade dois homens, um rico e outro pobre. O rico possuía muitíssimas ovelhas e vacas.Mas o pobre não tinha coisa nenhuma, senão uma pequena cordeira que comprara e criara; e ela tinha crescido com ele e com seus filhos; do seu bocado comia, e do seu copo bebia, e dormia em seu regaço, e a tinha como filha. E, vindo um viajante ao homem rico, deixou este de tomar das suas ovelhas e das suas vacas para assar para o viajante que viera a ele; e tomou a cordeira do homem pobre, e a preparou para o homem que viera a ele.
O homem rico é Davi, e o pobre é Urias, seu amigo. O primeiro, mesmo casado com muitas esposas, se apaixonou por Betseba, que era mulher do outro. Para poder desposar Betseba, Davi mandou seu próprio amigo para a frente de batalha, a fim de que ele fosse morto na guerra; o que de fato aconteceu. Essa parábola expõe os dois erros de Davi: o adultério e o assassinato. Mesmo sendo rei em Israel e herói do povo hebreu, ele não esteve imune do pecado, mas foi perdoado por Deus depois de seu arrependimento sincero.
Parábolas no Budismo
No budismo, assim como em todos os demais contextos, a parábola assume a condição de uma lição moral. Nessa a seguir, vemos que para esta religião é importante reconhecer que sabemos pouca coisa sobre o mundo, e por si só, saber de algo não muda muita coisa, pois o difícil é praticar o que se prega. Jesus compartilha da mesma visão, é preciso ser humilde, amar o próximo como a si mesmo e praticar o bem. Veja um exemplo:
A coisa mais importante
Certa vez, um famoso poeta chinês quis estudar a sabedoria do Buda. Viajou uma longa distância para encontrar um famoso mestre e lhe perguntou:
– Qual é a coisa mais importante dos ensinamentos do Buda?
– Não prejudique ninguém e só faça o bem – respondeu o mestre.
– Que bobagem! – exclamou o poeta. – O senhor é considerado um grande mestre, por isso viajei milhas e milhas para encontrá-lo. E é essa a resposta que me dá? Até uma criança de três anos seria capaz de dizer isso!
– Pode ser que uma criança de três anos seja capaz de dizer isso, mas o difícil é colocar em prática, mesmo para um homem muito velho, como eu – disse o mestre.
As Parábolas de Jesus
Muitos conceitos das pregações de Jesus eram abstratos e incompreensíveis mesmo para os intérpretes das escrituras, já que seu ministério trazia novas percepções sobre a Lei e os Profetas. As parábolas foram a maneira encontrada para dar preenchimento concreto e prático desses conceitos, como o Reino de Deus, a salvação, o perdão, o amor ao próximo. Em outras palavras, Jesus falava por parábolas para explicar verdades complexas de uma forma simples, ao responder perguntas e tirar dúvidas de seus seguidores, e também dos acusadores.
Com as parábolas, até mesmo as pessoas mais simples poderiam entender o evangelho, e reproduzir essas histórias como forma de ensinar e pregar a salvação. Desse modo, era muito mais fácil fazer com que judeus e gentios entendessem as mensagens e os desígnios de Deus, antes mesmo da escrita dos livros do Novo Testamento. Podemos dizer que grande parte do ministério de Cristo só foi preservada justamente por conta desse estilo utilizado por Ele.
Todavia, ainda que as parábolas fossem contadas para as multidões, as explicações só eram reveladas para aqueles que realmente queriam entender. Muitos só estavam interessados nos milagres de Jesus, outros em seu potencial revolucionário, e outros em encontrar maneiras de acusá-lo de blasfêmia e insurreição. Apenas os que o buscavam sinceramente conseguiam entender suas mensagens, pois a verdade tinha sido ocultada aos que se achavam sábios e revelada aos humildes e simples de espírito.
Ao todo, os evangelhos registraram 40 parábolas, veja algumas delas a seguir.
O Semeador
(Mateus 13:1-9; Marcos 4:3-9; Lucas 8:4-8)
O semeador saiu a semear; quando semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho, e vieram as aves e comeram-na. Outra parte caiu nos lugares pedregosos, onde não havia muita terra; logo nasceu, porque a terra não era profunda, e tendo saído o sol, queimou-se; e porque não tinha raiz, secou-se. Outra caiu entre os espinhos; e os espinhos cresceram, e sufocaram-na, e não deu fruto algum. Mas outras caíram na boa terra e, brotando e crescendo, davam fruto, um grão produzia trinta, outro sessenta e outro cem. Disse: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.
Marcos 4: 3-9.
Jesus explica a parábola logo em seguida (Marcos 4:14-20) : o semeador é o pregador, que semeia a palavra; os que estão pelo caminho são os que ouvem a palavra. Os primeiros não lhe dão ouvidos; os segundos dão ouvidos, mas não compreendem, não se apegam à palavra; os terceiros, deixam as coisas do mundo sufocar a palavra; mas os últimos cumprem a palavra corretamente. Ou seja, aquele que perseverar na Palavra de Deus será recompensado por sua persistência e colherá os frutos de sua colheita.
O joio e o trigo
O Reino de Deus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo. Mas enquanto os homens dormiam, veio um inimigo dele, semeou joio no meio do trigo e retirou-se. Porém quando a erva cresceu e deu fruto, então apareceu também o joio. Chegando os servos do dono do campo, disseram-lhe: Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? pois donde vem o joio? Respondeu-lhes: Homem inimigo é quem fez isso. Os servos continuaram: Queres, então, que vamos arrancá-lo?Não, respondeu ele, para que não suceda que, tirando o joio, arranqueis juntamente com ele também o trigo. Deixai crescer ambos juntos até a ceifa; e no tempo da ceifa direi aos ceifeiros: Ajuntai primeiro o joio e atai-o em feixes para o queimar, mas recolhei o trigo no meu celeiro.
Mateus 13:24-30
Jesus é a pessoa que semeia o trigo, a boa semente, que por sua vez são as pessoas do Reino de Deus. O campo é o mundo e as sementes ruins são os filhos do mundo, do maligno. No Juízo, as pessoas más que se passaram por boas serão identificadas, porque o semeador, que é Cristo, consegue distinguir o joio do trigo, e os bons dos maus. Assim como o joio é jogado fora, os que praticam a iniquidade serão lançados ao fogo. (Mateus 13:36-46)
O Filho pródigo
Clique para ver o texto bíblico. (Lucas 15:11-32)
Por ser bem extensa e rica em conteúdo, costuma possuir vários significados. Mas, sem dúvidas, podemos depreender que o pai representa Deus; o filho mais velho, os fariseus e escribas, os religiosos hipócritas; e o filho mais novo representa os pecadores em geral. Podemos afirmar que Deus muitas vezes permitirá que nós caiamos em nosso orgulho, achando que podemos ficar longe de sua presença e sermos felizes sem Ele.
Ademais, Deus está disposto a nos perdoar sempre, porque tem paciência e recebe de braços abertos os humildes arrependidos. Enquanto o filho mais velho fica preocupado com tudo que foi gasto e jogado fora pelo mais novo, o pai, que é Deus, não se importa em realizar um banquete para comemorar a volta de seu filho, que verdadeiramente se converteu. Portanto, a parábola exalta o perdão e o amor de Deus por seus filhos.
A Ovelha perdida
(Mateus 18:10-14 e Lucas 15:1-7)
Vede não desprezeis um destes pequeninos; porque vos digo que os seus anjos nos céus vêem incessantemente a face de meu Pai celestial. {Porque o Filho do homem veio salvar o que havia perecido.} Que vos parece? Se um homem tiver cem ovelhas e uma delas se extraviar, não deixa as noventa e nove e vai aos montes procurar a que se extraviou? Se acontecer achá-la, em verdade vos digo que se regozija mais por causa desta, do que pelas noventa e nove que não se extraviaram. Assim não é da vontade de vosso Pai que está nos céus, que pereça um só destes pequeninos.»
(Mateus 18:10-14)
Essa parábola compartilha o mesmo tema que a da Moeda perdida, perda, busca e reencontro. Ambas representam o ser humano perdido, aquele por qual Jesus deu sua vida e veio para resgatar. Jesus é o próprio pastor, que possui seu rebanho, seus fiéis. A mensagem desta parábola é muito profunda, ela indica que Deus se agrada mais com o resgate de uma alma perdida do que com aqueles que já estavam salvos. Quem é capaz de deixar 99 ovelhas, todas as que possui, para ir atrás da que se perdeu? Jesus. Ele veio para resgatar os doentes e os perdidos.
O Bom Samaritano
Clique para ver o texto bíblico. (Lucas 10:30-37)
Talvez essa seja a parábola mais famosa. Os samaritanos estavam entre os grupos desprezados pelos judeus, porque não os achavam dignos de adorarem o mesmo Deus que eles. Contudo, a mensagem diz que Deus pode ser adorado por todos os povos. Além disso, as boas ações partem de quem menos se espera. Deus só é exclusivo de quem o adora e daqueles que cumprem suas palavras e ensinamentos. Não importa a origem, nem o que foi feito no passado, tudo depende do agora.
O fariseu e o publicano
Subiram dois homens ao templo para orar: um fariseu e outro publicano. O fariseu, posto em pé, orava dentro de si desta forma: Ó Deus, graças te dou que não sou como os demais homens, que são ladrões, injustos, adúlteros, nem ainda como este publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, porém, estando a alguma distância, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim pecador. Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta, será humilhado; mas o que se humilha, será exaltado.
Lucas 18:9-14
Os fariseus ficaram conhecidos por suas estrita observância à Lei mosaica. Este da parábola representa as pessoas que seguem uma religião, especialmente o cristianismo, cumprindo meras formalidades litúrgicas, sem se dar conta do valor espiritual de suas ações. Jejuar e entregar o dízimo por si só não podem abençoar o cristão, tampouco levá-lo ao Céu.
Os publicanos eram desprezados pelos judeus por colaborarem com os romanos, mas este em especial representa os pecadores que reconhecem seu estado de indignidade perante Deus. Dessa forma, o fariseu orgulhoso por obedecer a Lei não foi abençoado, porque sua observância de nada serve para salvá-lo. Por outro lado, o publicano humilde que reconhece sua pequenez foi abençoado. Assim, os que se orgulham de seus feitos públicos mas não orgulham a Deus no privado não serão abençoados, enquanto os pecadores arrependidos serão remidos e salvos.
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Por Renata Ariel Silva Cruz e Ramon Caji.
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