Jovens sem religião: a geração Z desistiu da Igreja?

É comum ouvirmos por aí que os jovens estão deixando as igrejas. Mas a globalização e a tecnologia trazem novas incertezas sobre a definição exata de ser “sem religião“. O que pode significar que o pertencimento tem sido cada vez mais amplo e diversificado.

Secularização da vida pública

A partir do século XVIII, as religiões em geral começaram a perder espaço na vida pública das pessoas, se distanciando da política e da economia. No século seguinte, os movimentos cientificistas e materialistas relegaram a ela um papel puramente ideológico. Era como se os líderes religiosos fossem grandes conspiradores que visavam o domínio mental das sociedades. Nesses movimentos, muitos chegavam até mesmo a negar a existência histórica de Jesus.  

Assim, uma secularização generalizada teria se dispersada por toda a civilização ocidental. O estado e a vida pública estavam oficialmente separados das igrejas. O filósofo Nietzsche (1844-1900) chegaria a afirmar, por isso, que Deus estava “morto”, em uma referência ao abandono da superstição e da religiosidade pela população. No entanto, ele estava errado.

Novos empreendimentos contribuíram no século XX para revitalizar o cristianismo. O pentecostalismo, a renovação carismática, as atividades sociais e missionárias, as novas formulações teóricas e intelectuais e a própria tecnologia levaram a um crescimento cristão acentuado nas sociedades. Uma nova corrente historiográfica, por exemplo, foi capaz de entender a complexidade dos textos do Novo Testamento, suplantando a negação da existência de Jesus, que se firmou como um personagem religioso e também histórico.  

A participação da geração Z, pessoas nascidas entre 1995 e 2010, na vida religiosa é marcada pela flutuação em diferentes espaços.
A participação da geração Z, pessoas nascidas entre 1995 e 2010, na vida religiosa é marcada pela flutuação em diferentes espaços.

Os dados atuais sobre religiões no Brasil

Mesmo que as religiões ainda se coloquem firmemente ativas na vida social, é comum muitos afirmarem que isto está se alterando. Quais são os motivos? A principal fonte referenciada é o Censo demográfico realizado a cada dez anos produzido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). De acordo com o último Censo, 2010, quase 90% da população brasileira se declarava cristã de alguma forma.

Contudo, a pesquisa declarou que 8% se reconhecia como “sem-religião”, aproximadamente 15,3 milhões de pessoas, estas tendo uma média de 26 anos de idade. Essa porcentagem representou um aumento baixo em relação ao Censo anterior, 2000, no qual 7,4% se identificavam desta forma. Enquanto isso, o número de ateus e agnósticos declarados em 2010 eram de 615 mil e 124 mil, respectivamente. Isso instigou o interesse de alguns pesquisadores, pela maneira como os jovens não se viam como descrentes, mas sem religião.

Católicos e evangélicos são seguidos pelos sem-religião.

‘Sem-religião’ para os jovens

A antropóloga Regina Novaes enxerga grandes desafios na interpretação dos dados do IBGE. Para ela, a pergunta realizada pelo Censo, “Qual é a sua religião?”, tem limites técnicos e conceituais. Em seu artigo “Jovens sem religião: sinais de outros tempos”, do livro Religiões em Movimento: o Censo de 2010 (2013), afirmou:

Há riscos de diferentes entendimentos sobre ‘o que é religião?’. Abrem-se espaços para soluções contingentes em casos de respostas que não se encaixam na classificação adotada. E ter apenas uma pergunta limita a identificação de práticas, vínculos e crenças simultâneas.

Novaes informa que para compreendermos o que significa “sem-religião” para os jovens, precisamos levar em conta o entendimento deles a partir de um conjunto amplo de mudanças sociais. Elas se referem ao processo de globalização e novas tecnologias, que trazem novos padrões de linguagem e novas incertezas. Esses termos interferem nas escolhas dos espaços, que geram múltiplas formas de identidades fluidas e líquidas.

A antropóloga relata um caso em que entrevistou um jovem motorista de táxi que mantinha a Bíblia em seu carro. Sempre perguntavam se ele era evangélico, a resposta: “’Não. Estou em uma rede de amigos evangélicos e através deles me aproximei da Bíblia, mas não tenho uma religião’”. Mas, se fosse perguntado pelo IBGE qual a religião ele tinha, respondeu que diria “evangélico”. Tal contradição indica o não pertencimento automático a uma esfera religiosa, mas que por vezes pode se identificar com uma religão específica.

Repensar os pertencimentos

Muitos jovens de 18 a 30 anos encontram motivos sinceros para se dizerem sem religião. Em suas concepções, o pertencimento é limitado e muitas vezes carregado de preconceitos por parte dos grupos que frequentam. Em outras palavras, significa que eles se sentem livres para transitar entre difentes identidades, porque muitos grupos consideram “atrasado” pertencer apenas a um rótulo ou conjunto.  

Esses jovens não representam ventos secularizantes, ou ausência de valores, ou pessoas perdidas e decepcionadas com a fé. Essas respostas são velhas teorias que não se aplicam à lógica dos anos 1990 em diante, marcados pela globalização e pela rápida difusão tecnológica, como a internet. Claro que existem exceções, mas não podemos generalizar e supor que são rupturas e decepções com as instituições religiosas. Como Regina Novaes expressou, “na atual condição juvenil, a ideia de pertencimento precisa ser repensada, pois os vínculos se fazem de outros modos e em outros contextos”.  

Para os jovens, é tudo uma questão de sáida para tantas categorias que não representam a maneira de pensar deles. Eles combinam elementos de diferentes tradições religiosas em seus modos de pensar, e mantém no fundo uma forte presença no cristianismo. Portanto, trata-se de não cair na armadilha de achar que tudo se resume obrigatoriamente na lógica do pertencimento em oposição ao não-pertencimento.  

A saída para uma diversidade

A participação da geração Z, pessoas nascidas entre 1995 e 2010, na vida religiosa é marcada pela flutuação em diferentes espaços. É inviável concluir que o aumento nos últimos 20 anos dos jovens que se identificam como “sem-religião”, seja de fato um crescimento da vida não religiosa. Isso porque essa afirmação quer dizer outra coisa para os jovens, representa a diversidade de pertencimentos.

Muitos analistas optam por enxergar essa questão como um abandono generalizado da religiosidade. Essa vertente de interpretação começou a ser difundida no século XIX, e desde então manteve presença nas análises dos movimentos sociais. No entanto, a questão é muito mais complexa. Não podemos chamar o crescimento da declaração de jovens “sem-religião” de abandono da própria espiritualidade.  

A globalização e o advento da internet possibilitaram o aumento de novas perspectivas de ideias e valores. Se antes o pertencimento a uma igreja precisava ser estritamente material, hoje pode ser virtual. Da mesma forma, a definição religiosa é percebida de um modo distinto por um membro da geração Z e por seus anteriores.

Dizer que possui uma única religião é o mesmo que limitar seus valores e ideias. Ou seja, não estamos diante de uma geração sem princípios, mas com uma diversidade de pertencimentos. Eles encontram em dizer “sem-religião” uma alternativa para uma pergunta tão limitada como: “Qual a sua religião?”.   

A globalização e a internet representaram mudanças profundas nos fenômenos sociais.

Novas perguntas

É importante questionar a objetividade dos dados do Censo do IBGE. A única pergunta feita para criar informações sobre a religiosidade brasileira não dá conta da própria multiplicidade de crenças do país. Tampouco ela se integra na perspectiva dos jovens brasileiros sobre o que é pertencer a uma religião. Como a antropóloga Regina Novaes expressou, é preciso se dar conta da dificuldade de interpretar esses fenômenos e de obter dados sobre a religiosidade líquida da geração Z.  

Assim, talvez seja o caso de incluir novas perguntas. “Quais são suas práticas religiosas?”; “Quais valores religiosos você observa?”; “Qual a importância das religiões?”; “Quais são suas crenças?”; são algumas sugestões dadas pelos especialistas. Contudo, por enquanto, temos que nos contentar com a relativização da afirmação de que os jovens estão deixando a religião. Em muitas circunstâncias, transformações dos sentidos não se traduz em ausência de ideias. Isso nos mostra que mesmo os jovens se identificando como “sem-religião” não estão necessariamente abandonando as igrejas.   

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Por Daniela de Jesus e Ramon Caji.

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