O desafio da ação social é uma questão abordada pelos textos bíblicos. Os profetas pregaram solidariedade entre os israelitas, assim como Jesus e os apóstolos entre judeus e gentios. Não apenas isso, incentivaram a ação social como um dever do povo de Deus. Ao longo do tempo, a Igreja se mostrou engajada nas questões sociais, como a caridade e o auxílio aos pobres e oprimidos.
A Bíblia e a ação social
Os profetas de Israel e Judá foram os primeiros a denunciar as injustiças sociais. Durante a primeira metade do milênio antes de Cristo, eles atuaram nas ruas das cidades, seja no reino do norte, Israel, ou do sul, Judá.
Suas pregações eram voltadas para o coletivo, para o povo de Israel, mas por vezes era direcionada especialmente para os governantes e poderosos. Eles viam em suas épocas um mundo cheio de falsidade, cinismo, opressão e violência, justamente com os mais pobres e vulneráveis.
Jeremias, Isaías, Miquéias, Amós, Oséias, Naum, Sofonias. Eles condenaram a a exploração dos fracos e os abusos cometidos pelos tribunais dos fortes. Suas grandes considerações estavam em torno dos mais afastados, como as viúvas, doentes e órfãos. Costumam ser os primeiros pensadores da literatura a ser encarados como ativistas sociais.
No século I, Jesus pregou igualdade e justiça entre os povos. Ele denunciou a opressão vivida pelos marginalizados, inclusive realizada pelos próprios religiosos da época. Grande parte de suas pregações estavam voltadas para combater a hipocrisia da própria religião, que se volta para suas próprias necessidades e se esquece do próximo.
A parábola do Bom Samaritano reflete bem essa realidade. Os fariseus eram orgulhosos por cumprir a Lei, mas não se preocupavam de verdade com suas ações sociais. O samaritano, subestimado por todos, representa aqueles que cumprem os ensinamentos de Cristo, amparando o próximo e dando assistência para os que precisam.
A Igreja e a ação social
A Igreja, logo de início, buscou acolher e cuidar dos pobres e marginalizados. O Atos dos Apóstolos nos apresenta os primeiros desafios encontrados pelos discípulos. Eles se basearam na comunhão fraterna e partilha de bens. No caso, a perseguição por parte das autoridades fez com que eles se sentissem ainda mais unidos e dispostos a pregar os ensinamentos de Cristo.
A Igreja primitiva seguia os exemplos de Jesus. A sensibilidade com os pobres conquistou multidões, e logo milhares de pessoas foram convertidas ao Evangelho. Apenas 20 anos após a morte e ressurreição de Cristo, já havia comunidades cristãs por todo o Oriente ao redor do mar Mediterrâneo. Os pobres e oprimidos se sentiram acolhidos pelas igrejas, faziam parte de uma assembleia de iguais, que se ajudavam e mantinham unidos.
A prática da evangelização estava profundamente associada com a ação social. Não se ajudava o próximo apenas por obrigação, mas porque essa é a real mensagem do Evangelho: amar a Deus e ao próximo. Os cristãos ajudavam os que necessitavam de suporte e partilhavam seus bens e serviços.
O serviço social na Patrística
A Patrística é uma corrente filosófica e teológica que representa os pensamentos dos teóricos dos quatro primeiros séculos do cristianismo. Esses teóricos são conhecidos por pais da Igreja, eles elaboraram diversos comentários e escritos para defender a Fé Cristã e resolver questões dogmáticas. Foram responsáveis por implementar a discussões e confirmações das liturgias e costumes.
Tertuliano (160-220) foi um desses pensadores dos primeiros séculos. Ele chegou a comentar que enquanto a maior parte das pessoas gastava seu dinheiro em festas e entretenimento, os cristãos usavam seus recursos para apoiar e enterrar as pessoas pobres. As sociedades romanas não tinham o costume de enterrar os pobres, eles eram jogados em canteiros fora das cidades.
Os cristãos supriam as necessidades de crianças órfãs, idosos e viúvas; mesmo com tantos desafios e perseguições enfrentadas naquele momento. Tertuliano afirmou: “É nosso cuidado com os desamparados, nossa prática de bondade que nos marca aos olhos de nossos adversários”. A compaixão no movimento cristão não era opcional, era uma marca registrada dos seguidores de Cristo.
Dionísio de Alexandria (190-264) escreveu que durante as pragas os cristãos assumiam riscos para cuidar dos pobres. E mesmo infectados pelas doenças, se uniam aos enfermos para suprir suas necessidades. Os doentes eram assistidos, e mesmo com risco de morte morte não havia empecilhos para que pudessem ajudá-los.
Já Juliano, o apóstata (361-363) foi o único imperador após Constantino que não foi cristão. Ele chegou a escrever e afirmar que os cristãos eram reservados à benevolência com os pobres. Disse: “Eu penso que quando o pobre passou a ser negligenciado e esquecido pelos sacerdotes, os galileus ímpios [cristãos] observando isso dedicaram-se à benevolência, não dão suporte apenas aos seus pobres, mas também aos nossos.”
Basílio de Cesareia (330-379) ficou amplamente conhecido por seu cuidado com os pobres e necessitados. Juntamente com Gregório de Nissa (330-395) e Gregório de Nazianzo (329-389), os três são chamados de padres capadócios. Eles exaltaram o amor aos pobres e carentes como a expressão mais pura do amor em si. Essa linha de pensamento ia contra as considerações dos pensadores pagãos da época.
Gregório de Nissa defendeu que se criasse um fundos comunitário para o auxílio dos pobres e leprosos. Ele dizia “os leprosos foram feitos imagem e semelhança de Deus. Do mesmo modo que você e eu fomos feitos e talvez preserve aquela imagem melhor do que nós. Vamos cuidar de Cristo enquanto ainda há tempo. Vamos oferece a limento a Cristo. Vamos vestir Cristo. Vamos cobrir Cristo. Vamos dar a Cristo honra”.
Podemos perceber que para os pais da Igreja, cuidar dos fragilizados, fracos, doentes, enfermos, oprimidos e marginalizados, era como cuidar do próprio Jesus Cristo. Eles defenderam o Evangelho justamente como um princípio de serviço dedicado ao próximo, ao amparo e auxílio.
O dom e contra-dom
Vamos falar um pouco sobre a importância da caridade para os cristãos. O dom e contra-dom refletem a importância da caridade e amparo aos pobres. Enquanto o dom é uma ação fundamentada na doação, o contra-dom é a resposta que o receptor deve oferecer ao primeiro doador. É preciso devolver o dom, mas não é necessário doar de volta para a mesma pessoa, e sim à comunidade.
Qualquer bem ou serviço feito com a intenção de caridade pode ser considerado um dom ou contra-dom. Essas ações são realizadas desde os primórdios do cristianismo. No entanto, alcançaram seu auge nas sociedades medievais, nas quais a maior parte dos intercâmbios, trocas de bens e produtos, eram feitos dentro desse sistema de dom e contra-dom.
As doações podem ser entendidas como um “amigo secreto”, no qual você recebe algo, qualquer coisa, de forma gratuita. Tendo recebido o “presente”, é preciso retribuir, ofertando outra pessoa com outra coisa. O dom é como se fosse, na Idade Média, um fato social total, pois não está restrito aos valores religiosos, mas ao pensamento completo da sociedade.
O sistema de dons e contra-dons encontra base nas referências bíblicas, nas quais a doação aos pobres é vista como amparo ao próprio Jesus. Nesse sentido, Jesus se colocou como um homem pobre e se identificava ao mesmo tempo com as pessoas pobres e necessitadas. A assistência aos carentes foi uma das temáticas centrais de suas pregações. Ele forneceu um modelo de comportamento baseado na caridade e na assistência aos pobres.
Nesse sistema de dons, Deus é considerado o principal doador, uma vez que deu a vida e a salvação para os humanos. Por isso, a retribuição a Ele é vista como fundamental. No entanto, a doação a Deus deve ser feita para os seus “representantes” na terra, que são o próximo e as igrejas. Como vimos, as igrejas assumiram a responsabilidade pela assistência aos pobres, porque entenderam que essa atribuição havia sido delegada a elas.
Os dons recebidos pela Igreja sempre foram utilizados para a manutenção material dos próprios espaços eclesiásticos, mas principalmente para o auxílio dos pobres. Mesmo doando à Igreja ou diretamente ao próximo, o dom é feito principalmente a Deus. A doação de bens materiais também foi historicamente entendida pelos cristãos como uma forma de acumular bens imateriais.
Quais são as práticas de ação social?
Os projetos sociais empreendidos pelas igrejas podem ser diversos. Muitas mantém programas permanentes de assistência, como distribuição de alimentos, roupas, medicamentos, e doações em espécie para a manutenção de hospitais, casas de repouso e reabilitação.
As igrejas e outros templos religiosos no Brasil não pagam tributos sobre nenhuma de suas atividades. Essa isenção está relacionada às assistências sociais promovidas por elas, para que o Estado não seja responsável por cobrar duplamente das instituições religiosas. Isso nos induz a reconhecer que o serviço social não é apenas um dever moral das igrejas, mas um dever legal também. Isso justamente porque a sociedade espera que as igrejas façam as contribuições delas.
A contribuição social é um chamado de Jesus Cristo. Podemos nos integrar buscando conhecer as necessidades da comunidade, sendo ela cristã ou não. Propostas comunitárias devem ser pensadas para resolver os problemas sociais. Além disso, muitas igrejas e outras instituições já possuem práticas solidárias, o que pode nos ajudar na nossa participação nesses movimentos. Orações, conversas, propostas e engajamento são essenciais na promoção das ações sociais.
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