A Bíblia, o livro sagrado e fundamental para o Cristianismo, possui algumas diferenças entre as versões católica e evangélica. Essas divergências remontam à própria história da formação da Bíblia, que levou muitos anos para assumir a forma que encontramos hoje.
Os textos não foram escritos todos de uma vez como um único livro – não, os textos bíblicos foram escritos por vários autores em diferentes épocas, copiados, selecionados e agrupados até serem reconhecidos como cânon bíblico, a base da Bíblia que conhecemos hoje.
Uma das principais distinções entre a Bíblia católica e a evangélica está na composição dos livros que as compõem. A Bíblia católica inclui sete livros a mais em relação à versão evangélica, que são chamados de “deuterocanônicos”:
- Tobias
- Judite
- Sabedoria
- Eclesiástico (ou Sirácida)
- Baruque
- Primeiro Macabeus
- Segundo Macabeus
- além de acréscimos aos livros de Ester e Daniel.
A inclusão desses livros na Bíblia católica é baseada na tradição e no cânon estabelecido pelos concílios da Igreja Católica.
Outra diferença notável é a organização dos livros. A Bíblia católica segue uma ordem diferente da Bíblia evangélica. A primeira apresenta os livros em uma sequência que segue a tradição da Septuaginta, uma versão grega do Antigo Testamento, enquanto a segunda segue uma ordem mais próxima do cânon hebraico.
Além disso, a Bíblia católica contém alguns trechos adicionais em relação à versão evangélica. Esses trechos são conhecidos como “acréscimos ou apêndices”, que incluem partes em alguns livros do Antigo Testamento, como Daniel e Ester, além de um acréscimo no final do livro de Marcos.
Outra distinção importante entre as duas versões está relacionada à interpretação dos textos. A Igreja Católica possui uma tradição interpretativa que leva em consideração tanto as Escrituras quanto a tradição oral e o magistério da Igreja. Já os evangélicos enfatizam a interpretação individual e direta das Escrituras, com uma ênfase na autoridade do texto bíblico.
Embora essas diferenças existam, é importante ressaltar que tanto a Bíblia católica quanto a evangélica compartilham os mesmos livros fundamentais que narram a história da salvação e os ensinamentos centrais do Cristianismo. Ambas as versões buscam transmitir a mensagem de Deus aos fiéis e servem como guia espiritual para milhões de pessoas ao redor do mundo.
História da criação da Bíblia
O conceito que temos hoje de uma Bíblia completa foi formulado no início da história da igreja. No final do segundo século, todos os livros, exceto sete (Hebreus, 2 e 3 João, 2 Pedro, Judas, Tiago e Apocalipse) foram reconhecidos como apostólicos, e no final do século IV todos os vinte e sete livros em nosso presente cânone foram reconhecidos por todas as igrejas do Ocidente.
Após o Concílio de Damasino de Roma em 332 AD e o terceiro Concílio de Cartago em 397 AD, a questão do Cânon foi encerrada no Ocidente. Por volta do ano 500, toda a igreja de língua grega também aceitou todos os livros de nosso Novo Testamento.
Do grego κανών, a palavra “cânone” (cânon) foi usada pela primeira vez para designar a ideia da Bíblia como a norma da verdadeira religião, mas logo foi empregada também no sentido de norma ou lista que define quais livros constituem a Bíblia.
A formação do cânon do Novo Testamento começou na primeira parte do século II d.C. A lista mais antiga foi elaborada em Roma, em 140 d.C., pelo herege Marcião. Embora sua lista não fosse oficial, ela demonstrou que a ideia de um cânon do Novo Testamento foi aceita naquela época.
Contudo, em determinado momento histórico, a Igreja Católica e as igrejas evangélicas divergiram quanto aos livros que deveriam permanecer na Bíblia. Enquanto a Bíblia dos católicos possui 73 livros, a dos evangélicos possui apenas 66 livros no total. A diferença está no cânone (versão sagrada) do Antigo Testamento, enquanto o Novo Testamento de ambas permanece exatamente igual.
A Septuaginta
O Antigo Testamento cristão é conhecido como Bíblia Hebraica no judaísmo. No meio evangélico, eles possuem exatamente o mesmo conteúdo, a diferença é quanto à organização e à sequência dos livros. Mas no meio católico, o Antigo Testamento possui mais livros do que a Bíblia Hebraica, isso por conta de uma inclusão de 7 livros a mais no cânone católico.
Para entendermos porque as Bíblias evangélicas e católicas são diferentes, precisamos falar da primeira tradução preservada da Bíblia. A Septuaginta, como ficou conhecida, é uma tradução dos textos do original em hebraico para o grego, feita em etapas sucessivas entre o século III e I a.C.
Os primeiros livros a serem traduzidos foram os textos da Torá, os cinco primeiros livros da Bíblia, também chamado de pentateuco. E depois se seguiram os demais livros: profetas, históricos e poéticos.
A Septuaginta (Versão dos Setenta) recebe esse nome porque a tradição diz que setenta e dois rabinos foram responsáveis por trabalhar nela. Além disso, também se afirmava que teria sido realizada em setenta e dois dias. Ela se tornou a versão clássica da Bíblia para judeus que se tornaram cristãos no século I. Ou seja, os autores cristãos do Novo Testamento, que também escreveram em grego, utilizaram a Septuaginta (Antigo Testamento) como base para suas referências e citações.
No entanto, a Septuaginta incluiu alguns livros a mais, que não são encontrados na Bíblia Hebraica. Esses 7 livros provavelmente foram escritos diretamente em grego, e circulavam com pouca intensidade nas comunidades judaicas da Palestina. Eles foram considerados importantes para os judeus que falavam o grego e faziam parte da comunidade de Alexandria, mais integrada na cultura grega do que os palestinos.
A Vulgata
Com o surgimento do cristianismo, os judeus que não se converteram sentiram a necessidade de preservar os textos em hebraico, uma vez que os cristãos utilizavam os textos traduzidos para o grego da Septuaginta. Por isso, criou-se dois caminhos diferentes de tradição dos textos da Bíblia no caso do Antigo Testamento. Isso porque os judeus só aceitam os escritos em hebraico, e os cristãos aceitam os textos gregos, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento.
A Igreja Primitiva utilizou os textos gregos da Septuaginta durante os primeiros séculos, mas nem todos aceitavam aqueles textos que não possuíam paralelos no hebraico. Já na Idade Média, São Jerônimo (347-420) decidiu criar uma versão “definitiva” dos textos sagrados para o latim, unindo os manuscritos do Novo Testamento e os textos do Antigo Testamento.
Para traduzir o Antigo Testamento, Jerônimo recorreu aos textos em hebraico e também à Septuaginta, fazendo uma espécie de leitura crítica, dando maior prestígio para os livros em hebraico. Essa tradução que ele fez ficou conhecida como Vulgata, e incluía os textos gregos da Septuaginta que não tinham paralelo no hebraico. Ela foi utilizada amplamente durante toda a Idade Média. Mas novamente, não havia consenso se os textos eram todos canônicos
A Reforma Protestante e o Concílio de Trento
A Reforma Protestante, iniciada em 1517, foi um grande movimento de contestação dos dogmas da Igreja Católica. Inicialmente, a principal questão em debate era a venda das indulgências (compra do perdão dos pecados) e a corrupção moral e material do Clero, mas com o tempo outras mudanças foram sendo propostas. Com a Reforma, os reformadores passaram a traduzir a Bíblia do latim para os idiomas de seus países de origem.
Foi o caso de Martinho Lutero (1483-1546), que decidiu traduzir a Bíblia para o alemão. Ele decidiu fazer uma nova leitura crítica dos textos, e traduzir os textos direto dos originais, mas levando em consideração a Vulgata. Por sua vez, decidiu colocar os livros do Antigo Testamento que não possuíam manuscritos em hebraico em um apêndice, afirmando que eram bons para a leitura, mas não eram divinamente inspirados. Por isso, o cânone fixado por Lutero excluiu esses 7 livros, deixando o Antigo Testamento protestante com 39 livros no total. Desse modo, os protestantes passaram a se referir a esses livros como apócrifos, que quer dizer “excluídos” ou “falsos”.
Contudo, a Igreja Católica decidiu reagir às mudanças provocadas pelos reformadores. Das principais mudanças propostas pelos reformadores, podemos citar: o fim do sacerdócio como um intermediário entre Deus e os homens, o fim dos sacramentos como meios de alcançar a salvação e o fim da compra do perdão dos pecados. Além desta exclusão dos livros nos cânones protestantes e da abolição da veneração dos santos.
A reação da Igreja Católica veio por meio de uma reunião de bispos, chamado Concílio de Trento (1545-1563). Os católicos decidiram se manter contra todas as mudanças que os protestantes exigiam, e isso acabou gerando uma cisão completa no cristianismo, que perdura até hoje. Além disso, os católicos fixaram a Vulgata como versão definitiva da Bíblia, que até então era apenas a mais utilizada. Com isso, os livros gregos do Antigo Testamento passaram a ser chamados de deuterocanônicos pelos católicos, que significa “posteriormente canônicos”.
Livros apócrifos ou deuterocanônicos
Os protestantes não reconhecem a inspiração desses sete livros, porque eles não são encontrados em manuscritos hebraicos. Por isso, afirmam que foram incluídos de forma errônea na Bíblia. Já os católicos, afirmam que os livros são sim inspirados por Deus, e que, mesmo que o reconhecimento dessa inspiração só veio a acontecer oficialmente no século XVI, eles já eram utilizados pela Igreja ao longo da história do cristianismo.
Apócrifos para os protestantes, deuterocanônicos para os católicos. Esses livros só são encontrados em manuscritos gregos, por isso protestantes e judeus não reconhecem suas autenticidades. São eles: 1 e 2 Macabeus, Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico e Baruc. Além desses sete livros, os católicos também adicionam fragmentos gregos nos finais de dois livros: Adições em Ester e Adições em Daniel.
Esses textos foram escritos entre o século IV e II a.C, época em que a cultura grega havia se disseminado por toda região do mar Mediterrâneo. Macabeus I e II fazem parte da literatura histórica, que narra a revolta dos judeus contra o Império Selêucida que dominava a região. Os macabeus, nome recebido pelos revoltosos, implantaram uma dinastia na Palestina que perdurou de 164 até 37 a.C, quando ocorreu a subjugação ao domínio romano.
Tobias e Judite também fazem parte da literatura de história. Já Sabedoria e Eclesiástico se integram nos livros sapienciais, ou poéticos. Enquanto que o livro de Baruc toma parte no conjunto dos profetas.
Leia mais detalhes sobre a Bíblia católica, a Bíblia evangélica e a Bíblia hebraica na nossa matéria sobre quantos livros tem a Bíblia.
Muito bom o conteúdo, esclarecedor.
Muito bem explicado, obrigado. Importante ressaltar que a civilização Grega é a grande responsável por trazer o conhecimento
do evangelho ao mundo Ocidental. Além das demais características da nossa cultura. E foram importantes para o crescimento do cristianismo. Deixar de considerar os 7 livros do AT por terem sido escritos em Grego seria tirar crédito também do novo testamento.