Pérgamo era um dos centros religiosos mais importantes do mundo antigo. Havia nessa cidade dois santuários famosos.
Na carta para a igreja de Pérgamo, Cristo diz que a Igreja dessa cidade está localizada no lugar onde encontra-se o “trono de Satanás”. Esta referência denota, sem dúvida, algo que para a Igreja Cristã era particularmente mau e hostil para a fé. Alguns creem encontrar nestas palavras uma referência ao grande paganismo presente na cidade de Pérgamo. Vejamos, pois, quais eram os santuários mais famosos desta cidade, e se servem para nos explicar o significado daquela frase.
Culto a Zeus e Atena
Pérgamo considerava-se defensora do estilo de vida grego e da adoração aos deuses gregos. Pelo ano 240 a. C., os habitantes de Pérgamo haviam ganho uma grande vitória contra os invasores gálatas, ou galos, povos considerados “bárbaros” e selvagens. Em memória dessa vitória, levantou-se um grande altar dedicado a Zeus em frente do templo de Atenas, sobre o monte que dominava a cidade, a 250 metros de altura. Tinha o altar de 14 metros de altura, e estava localizado numa rocha da colina. Seu aspecto era o de um grande trono ou cadeira, sobre um dos lado da colina; e todo dia, todo ano, os habitantes e visitantes da cidade faziam nesse altar diversos sacrifícios oferecidos a Zeus.
Em sua base, esculpida na pedra, havia um dos mais maravilhosos baixos-relevos que o homem jamais tenha visto: a representação num friso da Batalha dos Gigantes, na qual os deuses gregos triunfam sobre os gigantes, divindades atribuídas aos bárbaros. Sugeriu-se que esse altar é o que no Apocalipse se denomina “o trono de Satanás”. A posição desse monumento tornava impossível a qualquer visitante ou habitante de Pérgamo esquecer a deusa Atenas e o deus Zeus.
Mas, por outro lado, é difícil que um autor cristão tivesse perdido tempo em atacar o culto destas divindades, porque na época em que as boas notícias sobre Jesus surgiram a religião pagã já era um anacronismo, uma coisa ultrapassada.
Culto a Esculápio
Pérgamo estava relacionada de maneira especial com o culto de Esculápio (Asclépio em grego), o deus da medicina e da cura na mitologia greco-romana. Quando Galeno, proeminente médico e filósofo romano de origem grega, cita os juramentos mais comuns de sua época, menciona a Ártemis de Éfeso, Apolo de Delfos e Esculápio de Pérgamo.
Esculápio era o deus curandeiro; na antiguidade suas templos sempre estavam perto dos hospitais. Havia muita gente, proveniente de todas as partes do mundo, que chegava a Pérgamo buscando a cura para suas doenças no templo de Esculápio. As curas eram realizadas em parte pelos sacerdotes e em parte pelos médicos. Galeno, que só foi superado como médico por Hipócrates, nasceu em Pérgamo.
Mas muitas vezes a cura dos adoecidos se atribuía à intervenção milagrosa e direta do próprio deus Esculápio. Pôde haver alguma razão para que os cristãos se sentissem movidos a chamar o templo de Esculápio em Pérgamo de “trono de Satanás”?
Pôde haver duas razões. Em primeiro lugar, o título mais famoso de Esculápio era “salvador”. É possível que os cristãos tenham se horrorizado ao ver que outro que não Cristo fosse chamado de salvador.
Em segundo lugar, o emblema de Esculápio era uma serpente (que ainda se costuma usar como símbolo da medicina). É possível que qualquer judeu ou qualquer cristão interpretasse como satânico um culto que usava a serpente como emblema distintivo. Mas esta explicação não é totalmente satisfatória. Os cristãos dificilmente veriam com tanta indignação e ira um lugar aonde gente de toda região ia em busca de cura — e onde muitas vezes encontravam. O culto de Esculápio sem dúvida não é base suficiente para chamar Pérgamo de “trono de Satanás”.
Culto a César
Pérgamo era o centro administrativo da província da Ásia, Em que pese a grandeza de Éfeso, Pérgamo retinha as funções de cidade capital. Isso significa que Pérgamo era o centro asiático do culto a César.
O problema do culto a César era que Roma precisava encontrar um elemento que unificasse a grande diversidade cultural e política que a caracterizava. Para muitos povos, o governo romano tinha garantido a bênção de paz e ordem, prosperidade e justiça. A maioria dos habitantes das províncias se sentiam inclinados a ver algo de divino no espírito de Roma; por isso, há muito tempo — vimos que em Esmirna desde 195 A. C — começaram a levantar-se templos dedicados à deusa Roma. O espírito de Roma estava encarnado num homem, o imperador; foi por esta associação que se deificou a pessoa do imperador e começaram a levantar-se templos dedicados a seu culto.
Este culto não foi imposto pelas autoridades, mas sim a maioria das vezes era o próprio povo que tomava a iniciativa. As cidades de província disputavam o título de Neokoros (que significa literalmente “guarda templo”). As autoridades romanas viram na difusão do culto ao imperador esse elemento de unidade que buscavam. Foi deste modo que chegou a estabelecer-se a obrigação de todos sob o Império Romano irem uma vez por ano ao templo de César, queimar perante seu altar um pingo de incenso e dizer: “César é o Senhor”. Fazendo isto, o cidadão recebia um certificado por escrito mediante o qual podia testemunhar que tinha completado sua obrigação.
Há duas coisas que devem destacar-se dessa história. Em primeiro lugar, este era um ato mais de lealdade política que uma profissão de fé religiosa. Em segundo lugar, Roma nunca planejou fazer com que este culto fosse exclusivo. Tendo completado sua obrigação cívica no templo do César, o cidadão podia adorar o resto do ano no templo onde melhor lhe parecesse, sempre que sua religião não fosse ofensiva à ordem ou à decência. Mas nenhum cristão poderia aceitar a obrigação de dizer “César é o Senhor”, porque para ele havia somente um Senhor, Jesus Cristo. O governo romano foi incapaz de compreender este ponto de vista, e os cristãos eram considerados cidadãos desleais e perigosos revolucionários. Por isso foram exilados e perseguidos.
O culto a César estava organizado em torno de um centro provincial, semelhante a um presbitério ou a diocese. Pérgamo era o centro do culto a César na província da Ásia. Foi a primeira de todas as cidades asiáticas (antes de Esmirna, inclusive) que teve, desde o ano 29 a.C., um templo dedicado a César. Isto significava que os cristãos de Pérgamo viviam sob uma constante ameaça de morte. Nunca sabiam quando cairia sobre eles a espada. Sem dúvida é por isso que Pérgamo se denomina “trono de Satanás”. Era o lugar onde se obrigava os homens a dar o nome de “Senhor” a César. Para um cristão não havia nada que fosse mais demoníaco e satânico que isso.
Também existe a explicação que encontramos no princípio da carta a Pérgamo. No cabeçalho chama-se a Cristo ressuscitado “aquele que tem a espada aguda de dois gumes”. Segundo a lei romana os governadores estavam divididos em duas categorias: os que tinham o jus gladii (a lei da espada) e os que não o tinham. Os que possuíam o poder da espada tinham direito de morte ou vida sobre sua província; sua palavra era lei suficiente para que qualquer homem fosse executado na hora.
Do ponto de vista humano, o procônsul, que governava desde a cidade de Pérgamo, na Ásia, possuía o jus gladii, o direito da espada, e em qualquer momento podia fazer uso de sua prerrogativa contra os cristãos. A carta começa dizendo que os cristãos não devem esquecer que tal última palavra, entretanto, quem tem é Cristo, que possui a espada afiada em seus dois gumes. O poder de Roma podia ser satanicamente aterrador; mas o poder de Jesus Cristo era muito mais tremendo.
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