Por que Deus permite a dor? Uma perspectiva médica e cristã

Esta é uma pergunta que todos fazemos em algum momento de nossas vidas: por que Deus permite a dor? Todos nós sofremos com alguma dor, seja pontual ou crônica. Nossos corpos são frágeis, falham e eventualmente morrem – e isso, embora não seja novidade para ninguém, torna-se um pensamento cada vez mais recorrente conforme a dor aumenta.

Em maio de 2024, a Redenção Igreja recebeu o médico Dr. José Machado, especialista em dor, ortopedia e cirurgia de coluna, para uma conversa sobre dor e esperança na primeira edição do nosso encontro ESSENCIAL. Pudemos falar sobre a complexidade da dor e entender por que Deus permite que ela faça parte de nossas vidas.

Nesta matéria você verá a transcrição adaptada do que foi dito pelo Dr. José Machado e pelo pr. Eli Moreira. Você também pode assistir à conversa completa no vídeo abaixo:

O problema da dor e a esperança da cura

A dor é um fenômeno universal. Todo mundo, em algum momento, experimenta dor. A Sociedade Internacional de Estudo da Dor define a dor como uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a uma lesão real ou potencial. Isso significa que a dor pode ser tanto física quanto emocional, tornando-a uma experiência complexa e multifacetada.

Dr. José Machado explica que a dor pode ser classificada em dois tipos principais: dor aguda e dor crônica. A dor aguda é uma resposta imediata a um estímulo nocivo, enquanto a dor crônica é uma dor persistente que dura por longos períodos, muitas vezes resistindo ao tratamento.

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O impacto das emoções na dor

A dor não é apenas uma reação física; ela é profundamente modulada por nossas emoções. O sistema límbico, a parte do cérebro que regula as emoções, também desempenha um papel crucial na percepção da dor. Por exemplo, uma dor que sentimos ao receber uma notícia triste pode ser amplificada, enquanto a mesma dor pode ser atenuada se recebermos uma notícia alegre.

Dr. José compartilha uma metáfora simples, mas eficaz: “Se sua mãe, quando você era pequeno, pegasse um chinelo e apontasse para você, o que você faria? Eu sairia correndo, porque tomei umas chineladas da minha mãe. Então, eu tenho memória da dor pelo chinelo. Meu filho de três anos, graças a Deus, não teria a mesma reação porque nunca precisei mostrar o chinelo para ele. Mas se um dia eu mostrar o chinelo, ele vai olhar e vai falar ‘Papai, isso é de colocar no pé. Por que você está usando na mão?’ Porque ele não tem a memória da dor.”

Essa memória da dor ilustra como a dor aguda pode se transformar em dor crônica. Quando ignoramos a dor, ela pode se intensificar e se tornar uma companheira constante.

Dr. José ilustra com um exemplo de uma mulher grávida que sente dor, mas essa dor é atenuada pela alegria e expectativa do nascimento de seu filho. Isso demonstra como nossas emoções podem influenciar significativamente a intensidade da dor que sentimos.

“Se eu der uma martelada no meu dedo e o pastor Eli receber uma martelada no dedo dele, ambos sentiremos dor. Cada um interpretará essa dor de maneira diferente. A minha dor pode ser maior ou a dele pode ser maior, dependendo da quantidade de receptores de dor que temos na região atingida.”

“Se, junto com essa martelada, recebêssemos uma notícia positiva, como ‘pastor Eli, um parente seu que estava doente, graças a Deus, recebeu alta do hospital hoje’, a dor será diminuída. E o contrário também é verdadeiro. Se eu recebesse a mesma martelada junto com uma notícia triste, como ‘seu filho está adoentado’, a dor certamente será amplificada.”

A importância do sono e da saúde mental

O sono desempenha um papel fundamental na modulação da dor. Estudos mostram que a privação do sono pode intensificar a percepção da dor, enquanto uma boa noite de sono pode atenuá-la. Pacientes que dormem mal são mais propensos a experimentar dor crônica, pois o sono insuficiente afeta negativamente o sistema imunológico e emocional.

Dr. José ilustra isso com um experimento em ratos: “Colocaram três ratinhos em uma gaiolinha. Um foi privado de comida, outro foi privado de água e outro foi privado do sono. Qual é o primeiro ratinho que sofre, que vem a falecer? É o do sono. O sono modula um monte de coisa. Modula a parte imunológica, a parte de alegria, emoções. Quem tem sono está cansado, está desanimado, não tem o prazer das coisas da vida. E isso potencializa a dor.”

Além disso, a saúde mental está intimamente ligada à percepção da dor. Condições como depressão e ansiedade podem exacerbar a dor, criando um ciclo vicioso que torna o tratamento ainda mais desafiador. Dr. José enfatiza a importância de abordar a dor de maneira holística, considerando tanto os aspectos físicos quanto emocionais.

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A prevalência da dor lombar

A dor lombar é uma das queixas mais comuns nos consultórios médicos, sendo a segunda maior causa de consultas ambulatoriais, perdendo apenas para problemas cardíacos. A vida sedentária moderna, com longos períodos sentados e falta de atividade física, contribui significativamente para a prevalência da dor lombar.

Dr. José explica que a má postura e a falta de movimento são fatores-chave que contribuem para a dor lombar. A postura correta, com ângulos de 90 graus nas articulações dos joelhos, quadris e tornozelos, e o suporte adequado para a coluna lombar são essenciais para prevenir a dor. Além disso, a nutrição adequada dos discos intervertebrais depende do movimento, o que reforça a importância da atividade física regular.

Ele diz: “Hoje, passamos mais tempo sentados do que praticando atividade física. Não mudamos mais o canal da televisão levantando para apertar o botão. Ninguém quer descer do apartamento para pegar uma refeição pedida por delivery; preferimos que entreguem diretamente na porta, usando o elevador. Estamos deixando de realizar atividades cotidianas. Quem ainda usa as escadas? Estacionei meu carro no subsolo e a primeira coisa que ouvi foi: ‘Não tem elevador, use as escadas.’ Quantas pessoas recebem essa notícia e ficam chateadas? ‘Puxa, tenho que subir dois lances de escada.'”

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A dor como mecanismo de proteção

Embora a dor seja muitas vezes vista como uma inimiga, ela também serve como um mecanismo de proteção essencial. A dor nos alerta para lesões e nos impede de causar mais danos ao nosso corpo. Dr. José menciona uma condição rara em que as pessoas nascem sem a capacidade de sentir dor. Essas pessoas estão em risco constante, pois não percebem lesões que podem se tornar graves, como queimaduras ou infecções.

A dor, portanto, tem um papel crucial na nossa sobrevivência. Ela nos alerta para perigos e nos força a tomar medidas para evitar danos adicionais. No entanto, é importante tratar a dor de forma precoce para evitar que ela se torne crônica, o que pode complicar ainda mais o tratamento.

Dr. José explica: “Existe uma síndrome rara em que a pessoa nasce sem receptores de dor. Essas pessoas não sentem absolutamente nenhuma dor. Esses pacientes são acompanhados de perto e a expectativa de vida é muito baixa. Por quê? Se estão mexendo em uma panela quente, por exemplo, não percebem que estão queimando a mão. Assim, começam a ter lesões que nós, com um mecanismo de dor funcional, evitaríamos.”

O papel do exercício no tratamento da dor

O exercício físico é uma das formas mais eficazes de tratar a dor, especialmente a dor crônica. A prática regular de exercícios libera endorfinas, hormônios que promovem a sensação de bem-estar e aliviam a dor. Dr. José enfatiza que, para condições como a fibromialgia, onde os pacientes têm um número maior de receptores de dor, o exercício é uma ferramenta fundamental no manejo da dor.

A fibromialgia é uma condição crônica caracterizada por dor generalizada e sensibilidade aumentada. Embora seja frequentemente mal compreendida e diagnosticada erroneamente como um problema puramente psicológico, a fibromialgia tem uma base fisiológica real. O exercício ajuda a modular a percepção da dor e melhora a qualidade de vida dos pacientes.

Ele explica: “Quando falamos de fibromialgia, a cada 10 pacientes, 9 são mulheres. Portanto, é uma doença predominantemente feminina. Isso ocorre devido aos receptores de dor. Os homens têm uma proteção um pouco maior em relação a esse tipo de dor. O tratamento da fibromialgia é difícil e contínuo. Precisamos encontrar um equilíbrio, que envolve atividade física, às vezes a suplementação com algumas medicações e um acompanhamento constante.”

A importância das emoções e da espiritualidade na saúde

As emoções e a espiritualidade desempenham um papel significativo na saúde geral e na percepção da dor. Dr. José observa que a tristeza e a depressão podem agravar a dor, enquanto uma perspectiva positiva e gratidão podem ajudar a mitigá-la. Ele menciona a importância de encontrar equilíbrio nas emoções e manter uma visão agradecida da vida, mesmo em meio às dificuldades.

A espiritualidade também pode oferecer conforto e força em momentos de dor. A fé em Deus pode proporcionar um senso de propósito e esperança, ajudando as pessoas a lidar com a dor de maneira mais resiliente. A comunidade da igreja pode servir como uma rede de apoio, oferecendo conforto emocional e espiritual.

Dr. José reflete: “Quando começo a questionar a Deus mais do que deveria, perguntando repetidamente ‘Por quê, Deus? Por quê?’, percebo que deveria estar agradecendo. Nossa vida só é possível por causa da misericórdia Dele. Conseguimos levantar e respirar porque nosso coração nunca para. Desde o momento em que nascemos até o último suspiro, esse músculo trabalha 24 horas por dia. Enquanto nossas pernas descansam, o coração continua trabalhando. Isso só pode ser um mistério de Deus, como um músculo não se cansa e não para.”

A resposta de Jesus à dor

Reverendo Eli Moreira compartilha a história do leproso em Mateus 8:2-3, onde Jesus toca e cura um homem com lepra. Esse ato de tocar alguém considerado impuro pela sociedade ilustra a disposição de Jesus de enfrentar a dor e a exclusão social. A sensibilidade de Jesus e sua disposição para tocar aqueles que sofrem são um exemplo poderoso de como devemos abordar a dor dos outros com compaixão e cuidado.

A dor nem sempre indica que algo está errado com o mundo ao nosso redor. Às vezes, ela é um sinal de que precisamos reavaliar nosso relacionamento com nós mesmos e com Deus. A resposta de Jesus à dor é um convite para redescobrir a sensibilidade e a conexão com os outros.

Eli diz: “Estamos vivendo em uma sociedade que tem medo de enfrentar os problemas, seja por medo de contágio, exposição ou pela própria natureza dos problemas. Nós, paulistanos, especialmente aqui na Paulista, sentimos isso intensamente. Cada vez que subo as escadas e vejo a avenida, parece que há 50 mil pessoas passando. E o pior é que pode ser verdade. É muita gente. Vivemos em um tempo de tensão, em que buscamos abstrair essa pressão. Não queremos nos envolver com os problemas dos outros; parece que estamos no limite. Mas a resposta que Jesus nos dá não é a perda da sensibilidade, pelo contrário – a resposta de Jesus é o toque.”

A dádiva da dor

A dor, embora difícil de suportar, pode ser um catalisador para o crescimento espiritual e pessoal. Ela nos força a confrontar nossas fraquezas e buscar força além de nós mesmos. O milagre não está apenas na remoção da dor, mas na transformação que ela pode trazer em nossas vidas.

Viver com dor pode ser um desafio, mas é também uma oportunidade de experimentar a graça e o poder de Deus de maneiras profundas. Cada dia vivido com fé e resiliência é um milagre em si. A dor nos lembra de nossa dependência de Deus e de nossa necessidade de conexão com Ele e com os outros.

Eli conclui: “Existe atleta de alta performance que não conviva com dor? A alta performance acaba produzindo efeitos crônicos. Você teve uma dor, mas precisava se recuperar rapidamente, e essa dor permaneceu. No entanto, quando olhamos o que essas pessoas produzem, suas histórias, conquistas e vitórias, ficamos impressionados. O ser humano é impressionante. Então, seja uma pessoa impressionante. Seja alguém conquistado pela graça de sentir e pela ação poderosa de Deus, que transforma qualquer impossibilidade em vitória, vida, novas experiências e vitalidade.”

Deus permite a dor como um meio de nos proteger, nos alertar e nos transformar. A dor pode ser um mecanismo de sobrevivência, uma oportunidade de crescimento e um catalisador para a conexão espiritual. Em meio à dor, encontramos a oportunidade de experimentar a graça, a compaixão e o poder de Deus de maneiras profundas e transformadoras.

Ao enfrentar a dor com fé e resiliência, descobrimos a força que vem de nossa relação com Deus e com a comunidade ao nosso redor. Que possamos ver a dor não apenas como um fardo, mas como uma oportunidade de crescimento e transformação em nossa jornada espiritual.

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ESSENCIAL – Conversa com especialistas de diversas áreas sobre o que é essencial para a vida humana.
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Eli Moreira
Eli Moreira é pastor e escritor. Fundou o Redenção para comunicar a mensagem da paz de Jesus à diversidade cultural de nosso País. Todos são convidados para irem aos nossos encontros às 20h30 na Rua Augusta 2283 - São Paulo, SP.