Como alcançar harmonia? Maestro Elias Jó responde

No segundo ESSENCIAL, promovido pela Redenção Igreja, Eli Moreira e o maestro e arranjador Elias Jó discutiram um tema profundo e universal: a busca pela harmonia. A conversa entre os dois amigos e colaboradores de longa data girou em torno de como a música e a vida urbana se entrelaçam, mostrando que a valorização e a integração das diferenças são essenciais para criar algo maior e mais belo em um mundo cada vez mais polarizado.

A Orquestra como Metáfora para a Vida

A Complexidade da Harmonia Musical

Eli Moreira começou refletindo sobre sua experiência inicial com a Orquestra Redenção, uma jornada de descobertas e aprendizagens. “Quando estávamos começando o processo da orquestra, eu não tinha convivência nenhuma com orquestra”, relembra Eli.

Ele descreveu a dificuldade de perceber a individualidade dos sons, mas com o tempo, ele começou a apreciar a complexidade e a beleza resultante da combinação desses sons distintos.

Elias Jó, com sua formação tanto na música popular quanto erudita, explicou que a harmonia na música depende da individualidade das notas, que, ao serem combinadas, formam acordes. “A harmonia na música não existiria se não houvesse a individualidade das notas”, destacou Elias. Essa dinâmica musical serve como uma metáfora poderosa para a sociedade, onde a aceitação e valorização das diferenças são essenciais para a convivência harmoniosa.

Eli relembra as apresentações da orquestra que criaram juntos, onde músicos do erudito e do popular se uniam para uma fusão única. “A gente começou a fazer para todos os convidados do Projeto Redenção. Fomos criando um projeto onde havia uma fusão de música popular brasileira com erudito. Os que vinham tocar com a gente eram do mundo do erudito, e o Jó, com as duas formações, criou esse projeto.”

Eli continuou, destacando o impacto dessa fusão: “Uma coisa que eu tentava entender era a harmonia, aquela sonoridade que chegamos a fazer com 65 instrumentistas. Eu queria escutar a individualidade, cada som, e nas primeiras vezes era muito difícil para mim. Meu ouvido não estava acostumado.” Essa dificuldade inicial é algo que muitos de nós enfrentamos ao tentar harmonizar diferentes aspectos de nossas vidas, especialmente quando nos deparamos com novas experiências ou ideias que desafiam nossas percepções.

Elias complementou essa visão ao falar sobre a técnica e a emoção envolvidas na criação de harmonia musical: “Harmonia na música não existiria se não houvesse a individualidade das notas. Através das notas da escala, que são tocadas uma por vez, que conhecemos como Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si. Se não houvesse essas notas, não existiria a harmonia.”

Ele explicou que, assim como na música, a harmonia na vida também depende da individualidade de cada pessoa e de como essas individualidades se combinam para formar um todo coeso e belo.

A Afinidade na Orquestra

A tensão de afinar uma orquestra ilustra bem o desafio de alcançar a harmonia. Eli descreveu sua sensação ao ver os músicos afinando seus instrumentos: “Você chega e não está afinado. Então o cara está fazendo… e aí você olha aquilo assim e pensa: ‘Meu, como é que isso vai afinar?'”

Elias detalhou o processo de afinação, onde os músicos seguem a nota Lá de 440 Hz tocada pelo Spalla, ajustando-se até formar um acorde harmonioso. “Automaticamente, ao afinar uma orquestra, forma-se um acorde. Porque há instrumentos que vão estar tocando o Lá, outros vão estar tocando o Sol, outros o Ré, mas todos procurando chegar perto daquele Lá do Spalla, do 440 Hz”, explicou Elias. Este processo ilustra a necessidade de ajuste e compreensão mútua em nossas interações diárias, ressaltando a importância da colaboração e do respeito pelas diferenças individuais.

A Dinâmica da Orquestra e o Papel do Maestro

Elias também discutiu o papel crucial do maestro na orquestra. “Não é à toa a função do maestro lá na frente, porque não é só para dar entrada, não é só para dar andamento. É fazer soar realmente todo mundo uniforme.” Ele destacou que o maestro não apenas conduz, mas também trabalha para que cada músico se ouça e se ajuste aos outros, criando uma harmonia verdadeira. “Quando você está numa orquestra, se você é um violinista, tem que ouvir seu companheiro para afinar com ele. Todos têm que se ouvir. É um trabalho harmonioso, um trabalho em conjunto.”

Eli acrescentou uma perspectiva sobre a convivência dentro da orquestra: “Existem maestros que estão acostumados a reger a orquestra com mais frequência. O próprio músico se sente mais à vontade quando é aquele maestro que rege, porque ele já sabe o resultado. Ele sabe tirar um bom resultado da orquestra.” Essa dinâmica de confiança e familiaridade é essencial tanto na música quanto na vida, onde líderes que conhecem bem suas equipes podem promover um ambiente de colaboração e harmonia.

A Influência das Emoções na Harmonia

Música e Preconceito

Eli abordou o preconceito entre a música erudita e a popular, e Elias elucidou que o termo “erudito” refere-se à música estudada e preparada, enquanto a música popular é frequentemente vista como menos técnica. “Há preconceito, sim”, afirmou Elias. No entanto, ele argumentou que muitas composições eruditas, como as de Bach e Beethoven, eram populares em suas épocas. A distinção entre erudito e popular é, portanto, uma construção artificial que reforça preconceitos desnecessários.

Elias destacou a importância de reconhecer a música erudita como também popular: “O que chamamos de erudito, que é o estudado, eles só pegaram o que estava na rua e colocaram de uma maneira escrita e tudo mais.” Ele explicou que essa distinção artificial muitas vezes cria barreiras desnecessárias, impedindo a apreciação plena da música em todas as suas formas.

Eli perguntou sobre como esses preconceitos se manifestam na prática: “Mas explica como que o cara que toca o erudito, se você chama ele de popular, isso ofende na sua opinião?” Elias respondeu que sim, muitas vezes há uma reação negativa, devido a uma mentalidade que separa o que é considerado ‘alta cultura’ do que é popular. Ele exemplificou isso com a fusão realizada na Orquestra Redenção: “Fizemos uma formação biruta, que é uma banda base de popular, com guitarra, baixo, bateria, teclado, e o restante era uma formação erudita, com violino, viola, cello, baixo, madeiras, metais e tal. Então ficavam isolados. Você sente um olhar diferente de um mundo que não conversa com o outro, até realmente começar a tocar.”

A Fusão de Erudito e Popular

A experiência da Orquestra Redenção, que uniu músicos eruditos e populares, exemplifica a quebra desses preconceitos. Elias descreveu como os músicos, inicialmente isolados em seus “mundos”, gradualmente se surpreenderam com a beleza resultante da fusão de diferentes estilos. “Essa fusão de dois mundos, do popular e do erudito, é gostosa o resultado”, disse Elias. Esse processo de integração demonstra como a música pode ser um veículo poderoso para promover a aceitação e a valorização das diferenças.

Eli relembra momentos emocionantes: “Tivemos um evento com o Leonardo Gonçalves e foram umas quatro mil pessoas, duas mil ficaram de fora. Antes do cantor, havia duas mil pessoas, o pessoal ficou em duas pistas da avenida, ficaram um tempo enorme, porque isso não acontecia na música cristã. Eles estavam passando a música sem o cantor, e essas duas mil pessoas estavam cantando.” Ele destacou como essa experiência uniu diferentes públicos e músicos em uma celebração conjunta, mostrando o poder da música em transcender barreiras.

Elias também comentou sobre a reação dos músicos eruditos ao tocar com músicos populares: “Era até muito engraçado, porque você percebia alguns tocando e falando: ‘Nossa, mas o que é isso? Que coisa, mas está bonito, mas o que é isso?’ Não entendiam o que estava acontecendo.” Ele explicou que essa surpresa inicial muitas vezes se transformava em admiração e respeito mútuo, à medida que os músicos percebiam a riqueza da fusão de estilos.

A Busca pela Paz Interior

A Importância da Paz Interior

Eli e Elias discutiram a importância da paz interior como pré-requisito para harmonizar com os outros. Eli citou a bem-aventurança de Jesus: “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.” Ele enfatizou que a paz interior é essencial para ser um fazedor de paz. Elias concordou, destacando que a entrega total e a aceitação das críticas são desafios constantes no mundo artístico, refletindo a necessidade de humildade e compreensão em todas as áreas da vida.

Eli questionou sobre o ego entre os músicos: “Como é o ego entre os músicos? O ego é um problema? É fama? Dinheiro?” Elias respondeu: “O ego está dentro do artístico absurdamente. A entrega é muito grande. A pessoa está se doando de verdade. Então é praticamente impossível aceitar alguma outra coisa.” Ele explicou que o ego pode ser um grande inimigo da harmonia, tanto na música quanto na vida, se impedir a colaboração e o crescimento coletivo.

O Papel da Religião na Harmonia

Eli refletiu sobre o papel da religião na promoção da harmonia, alertando contra a arrogância e o ego inflado que podem surgir quando se acredita ser o detentor exclusivo da verdade. “Fomos chamados para criar pontes no que Deus colocou nas pessoas”, afirmou Eli. Ele argumentou que a verdadeira missão é criar pontes e ver a graça de Deus em todos os lugares, promovendo a paz e a harmonia na sociedade. Elias complementou, afirmando que a musicalidade e a espiritualidade andam de mãos dadas, ambas requerendo humildade e abertura para o outro.

Eli concluiu: “Jesus disse: ‘Bem-aventurados os fazedores de paz, porque deles é o reino dos céus.’ Mas primeiro, preciso encontrar paz. Quem não tem paz, não consegue fazer paz.” Ele enfatizou que a paz interior é um pré-requisito para se tornar um verdadeiro pacificador, capaz de harmonizar as diferenças e criar um ambiente de colaboração e respeito mútuo.

Eli também destacou a importância de reconhecer nossa interdependência e trabalhar juntos para alcançar a paz e a unidade. “Como na orquestra cada músico tem seu papel único, na vida precisamos reconhecer nossa interdependência e trabalhar juntos para alcançar a paz e a unidade.”

A Harmonia na Sociedade Atual

A conversa também abordou o estado atual da sociedade, caracterizado por intolerância e polarização. Eli comentou sobre como as pessoas preferem conversar apenas com os iguais, evitando a diversidade. “A sonhada harmonia, hoje, é mais crucial do que nunca, mas só podemos alcançá-la quando aprendemos a valorizar e integrar as diferenças – e fazer isso em paz.”

Eli acrescentou que, assim como na música, a harmonia na sociedade envolve empatia, paciência e colaboração. “Não é só a técnica, mas envolve a disposição de ouvir e integrar o outro, mesmo que inicialmente pareça desafiador.”


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ESSENCIAL – Conversa com especialistas de diversas áreas sobre o que é essencial para a vida humana.
Toda terça às 19h na Av. Paulista 2200.
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Layon Lazaro
Layon Lazaro é editor do Portal Redenção. Escritor e roteirista formado pela ECA USP.