O trabalho escravo é uma realidade na vida de muitos imigrantes que vem para o Brasil em busca de oportunidades de emprego, visando uma melhora financeira. Em sua maioria, imigram para cá com alguma promessa de trabalho para ganhar bem, com despesas pagas e moradia, em ‘oportunidades’ oferecidas por conterrâneos.
De acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT) foram denunciados 607 casos de trabalho análogo à escravidão na região metropolitana de São Paulo, desde a Grande São Paulo até a Baixada Santista, nos últimos 5 anos. Os números foram divulgados no inicio de 2020 para marcar o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (28 de janeiro).
O que é o trabalho escravo contemporâneo no Brasil?
O trabalho escravo contemporâneo é um problema de dimensão global e que está presente em diversos setores econômicos. Sua definição, de acordo com a Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e com a Organização Internacional do Trabalho, é de que o trabalho escravo contemporâneo ou trabalho análogo à escravidão é aquele que priva o trabalhador de seus direitos, de sua dignidade e de sua liberdade. O trabalho escravo põem em risco a saúde e a vida daquele que o realiza.
No Brasil, não existem trabalhos escravos estritamente falando, mas sim, análogos a escravidão (aqueles que possuem características semelhantes ao trabalho escravo). Pois em 1888, foi assinada a Lei Áurea que determinava o fim da escravidão no País.
De acordo com o Código Penal brasileiro, trabalhos análogos à escravidão, ou seja, que possuem condições semelhantes ao do trabalho escravo, são aqueles que possuem uma situação degradante de trabalho (qualquer situação que viole os direitos fundamentais dos seres humanos e coloque em risco a saúde e a vida do trabalhador); jornada exaustiva, que sobrecarregue o trabalhador causando danos a sua saúde; trabalho forçado, mantendo a pessoa no trabalho por meio de fraudes, isolamento geográfico e violência física e psicológica; e servidão por dívidas, obrigando o trabalhador a se manter trabalhando devido às dívidas contraídas com o emprego.
Segundo a OTI e o Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), as características e descrição de trabalho escravo contemporâneo brasileiro se enquadram com o que ambas as instituições acreditam ser a escravidão na atualidade.
Quais leis protegem o trabalhador do trabalho escravo no Brasil?
No Brasil o trabalho escravo é crime e qualquer um que seja flagrado mantendo trabalhadores em condições degradantes é preso. A lei que aborda especificamente o caso é o artigo 149 do Código Penal e que existe desde o início do século passado. “Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forcados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.”
A pena para trabalho escravo é de 2 a 8 anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Se cometido contra crianças ou motivado pela cor, raça, etnia, religião ou origem, a sentença pode ser aumentada pela metade.
Além do artigo 149, existem a lei de número 1.406/2002, artigos 598 e 606 no Código Civil; o artigo número 5, inciso XIII, XLVII-c, artigos 6 e 7, e incisos, artigo 144 e 227 na Constituição Federal; Lei número 10.803/2003, que altera o artigo 149 de 1940; Lei número 10.446/2002; Lei número 8.069, artigos 5, 87 e 130 do Estatuto da Criança e do Adolescente; Lei número 3.353/1888 – Lei Áurea.
Trabalho escravo em São Paulo
No Estado de São Paulo, mais especificamente em sua região metropolitana, o trabalho análogo à escravidão está presente na produção e confecção têxtil, e na construção civil. De acordo com o levantamento realizado pela MPT, a maioria dos trabalhadores resgatados do trabalho escravo em São Paulo eram imigrantes vindos de outros países da América Latina. Bolivianos, peruanos e paraguaias foram libertados nas zonas têxtis da Grande São Paulo, como Brás e Bom Retiro.
De acordo com os dados do MPT, em 2018 foram registradas 103 denúncias de trabalho análogo à escravidão, enquanto em 2019 o número chegou a 150. Na capital paulista de 2015 a 2019 foram libertados 524 trabalhadores.
Contudo, para a procuradora Alline Pedrosa, o aumento nas denúncias ainda não representam um grande avanço no combate ao trabalho escravo em São Paulo, pois o número de casos subnotificados são grandes por todo o estado.
“O número de denúncias ainda é baixo perto dos casos que a gente tem notícia. A nossa dificuldade em investigar é porque às vezes os casos mudam de lugar. É um número muito preocupante”
Alline Pedrosa Oisihi Delena, procuradora do Ministério do Trabalho
Os imigrantes como trabalhadores escravizados em São Paulo
Os casos denunciados de trabalho escravo em São Paulo estão, na maioria das vezes, relacionados a imigrantes. Segundo a MPT, os imigrantes resgatados de oficinas têxteis e da construção civil em São Paulo são latino-americanos. Na maioria, originados de países como Bolívia, Paraguai, Peru e Venezuela.
Na maioria dos casos registrados, o grupo de trabalhadores escravizados no estado vieram atraídos por propostas de conterrâneos. Promessas como emprego fixo, um bom salário e moradia aparecem em todas as histórias relatadas – porém, ao desembarcarem no Brasil (quase sempre de maneira ilegal), são trancados em pequenos cômodos e forçados a trabalhar mais de 12 horas por dia, sem intervalos.
A saída de seus países de origem em geral é devido a fatores socioeconômicos. Muitos migram ainda jovens e trazem consigo mulheres e filhos para trabalharem também.
Além disso, estudo realizado pelo ONG Repórter Brasil (criada por jornalistas para expor e combater violações dos direitos humanos no País), analisou o perfil do trabalho análogo à escravidão em São Paulo e constatou que além de serem na maioria imigrantes, o número de mulheres é bem maior que o de homens: 93,1% dos trabalhadores nessa condição são mulheres. Outro detalhe observado foi o grande número de jovens trabalhando nesses locais.
No período analisado pela ONG, 178 das mulheres resgatadas do trabalho escravo em São Paulo eram costureiras, 7,8% do total analisado. De acordo com o estudo, a costura é a terceira ocupação mais recorrente entre trabalho escravo para as mulheres, ficando atrás de trabalhadoras rurais e cozinheiras, respectivamente.
Como vivem os estrangeiros que realizam trabalho escravo em São Paulo?
Atraídos por promessas de melhora socioeconômica, estrangeiros de diversos países, principalmente da América Latina, são enganados e escravizados ao chegarem em São Paulo.
Segundo relatos coletados pela Repórter Brasil, ao começarem em seus empregos são mal remunerados e, em alguns casos, a remuneração nem acontece. São alojados em pequenos cômodos com muitas pessoas, e pagam aos patrões um aluguel referente à moradia. Além disso, são impossibilitados de sair do trabalho e de casa, por meio de alegações falsas.
Em casos atuais, a pandemia de Covid-19 é usada como razão para os imigrantes não saírem de seus trabalhos e de suas habitações. Porém, outras desculpas e ameaças são utilizadas para que não saiam como, por exemplo, corte de remuneração ou de assistências básicas.
Mas por mais que a situação seja imprópria, relatos indicam que alguns dos estrangeiros libertos do trabalho escravo preferem a vida que levam em São Paulo às que levavam em seu país de origem – não raro a razão para a preferencia é a fome e o desemprego na terra-natal.
Além disso, muitos imigrantes não sabem que vivem de maneira análoga à escravidão, por isso não compreendem a necessidade da denúncia e do fim desse tipo de trabalho.
Quais ONGS e Instituições combatem o trabalho escravo em São Paulo?
Em São Paulo há diversas ONGs e Instituições que combatem o trabalho escravo no estado e na região metropolitana. Entre as principais estão a Repórter Brasil e a Escravo, Nem Pensar (ONG que desenvolve projetos em parceria com órgão governamentais para a conscientização do trabalho escravo contemporâneo), que também atuam em outras regiões do Brasil.
Além desses, existem outras instituições que trabalham como meios de denúncia em São Paulo. São elas:
- CAMI – Centro de Apoio e Pastoral do Migrante: fundada em 2005, a CAMI atua na promoção e proteção dos direitos humanos fundamentais, igualdade de gênero, integração social, prevenção do trabalho escravo e tráfico de pessoas. Para entrar em contato com a instituição, seja para denunciar ou para conhecer e colaborar com seu trabalho basta acessar o site e ir na aba contato.
- Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante: o CDHIC é uma organização de promoção a defesa de direitos e cidadania dos imigrantes e refugiados no País. Para apoiar o trabalho basta doar. Para informações ou denúncias, acesse o site.
Além de ONGs e Instituições que ajudem aqueles que se encontram em condições de trabalho análogo à escravidão, o Estado de São Paulo juntamente com suas cidades e municípios se mobilizam para o combate. Órgãos públicos locais são responsáveis pela investigação dos casos denunciados.
No combate ao trabalho escravo em São Paulo, um dos nomes em destaque é o do deputado estadual Carlos Bezerra Jr., um dos responsáveis pela implementação de uma lei própria para São Paulo no combate ao trabalho escravo. Por seu trabalho, Bezerra Jr. se tornou uma das pessoas referencia pela luta do trabalhado em situação análogo ao trabalho na ONU, sendo convidado a participar da Conferencia do Alto-Comissário de Direitos Humanos.
Como denunciar o trabalho escravo em São Paulo?
Para denunciar casos de trabalho análogo à escravidão em São Paulo basta acessar canais do governo como: Ministério da Economia – Canal de Denúncias (denúncias trabalhistas), SIT – Inspeção do Trabalho (para denúncias de condições análogas às de escravo e tráfico de pessoas) e o Disque 100 (denúncias sobre violações dos Direitos Humanos).
Além desses canais é possível acessar o site das ONGs a cima e utilizar o canal de denúncias delas. Todos podem denunciar!
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