A fome no Brasil voltou a crescer após uma década de recuo e da saída do País do Mapa da Fome das Nações Unidas. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) 10,3 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar grave no Brasil, um aumento de 3 milhões de pessoas em 5 anos. O estudo divulgado pelo Instituto refere-se ao período de junho 2017 a julho 2018 e aponta um aumento no número da insegurança alimentar no Brasil.
Segundo os dados divulgados, a quantidade de brasileiros que possuem uma alimentação suficiente e satisfatória é a mais baixa dos últimos 15 anos. Para especialistas a tendência dos números é aumentar após a pandemia de Covid-19.
A fome no Brasil
Os níveis de insegurança alimentar são classificações criadas pelo IBGE e possuem três níveis possíveis – leve, moderada e grave – e são descritas da seguinte maneira:
- Insegurança alimentar leve: há preocupação ou incerteza quanto ao acesso de alimento no futuro. Outro fator determinante para a insegurança leve é a queda na qualidade dos alimentos à essa camada da população como estratégia para a acessibilidade de alimentos.
- Insegurança alimentar moderada: há redução no consumo de alimentos, principalmente por adultos como forma de preservar as crianças a adolescentes. Além disso, há queda significativa na qualidade desses alimentos.
- Insegurança alimentar grave: há uma redução quantitativa de alimentos para todos os moradores do domicílio, ou seja, crianças e adolescentes passam a reduzir o que comem também. A quantidade de alimentos nesse caso se reduz a muito pouco ou nada.
Desde 2004 a porcentagem de pessoas que vivem com algum grau de insegurança alimentar caiu gradativamente: se em 2004 esse número era de 35% da população brasileira, em 2009 a porcentagem caiu para 30% e em 2013 apenas 23% da população passava por alguma insegurança alimentar. Porém, no estudo mais recente divulgado pelo IBGE, referente a 2017 e 2018, a porcentagem salta para 37%.
Esse aumento não ocorreu repentinamente. De acordo com estimativas do IBGE, o número vem sofrendo oscilações desde 2014 e a partir de 2016 passa por um crescimento. A mudança nos números é resultado de crises políticas e econômicas que o Brasil passou nos últimos anos.
“Ao olhar para a série histórica, a gente observa que houve diminuição da segurança alimentar e o consequente aumento dos índices de insegurança alimentar entre a população brasileira.”
André Luiz Martins Costa, Gerente da Pesquisa de Orçamento Familiares (POF) do IBGE
Na pesquisa divulgada em setembro de 2020, 63,3% dos domicílios brasileiros possuem uma segurança alimentar (acesso pleno e regular à alimentação de qualidade), enquanto 24% vivem com uma insegurança alimentar leve, 8,1% vivem com insegurança alimentar moderada e 4,6% vivem com uma insegurança alimentar grave, ou seja, elas passam fome.
Segundo os estudos divulgados a insegurança alimentar moderada foi a que mais cresceu durante o período da pesquisa. Entre 2013 (momento em que o País alcançou seus melhores números na redução da fome) e 2018 a porcentagem cresceu em 87,53%. Enquanto a insegurança leve teve um aumento de 71,5% e a insegurança grave, que caracteriza fome, de 48,8%.
Qual o perfil das pessoas que passam fome no Brasil?
A fome no Brasil possui um perfil populacional. Segundo o IBGE, 51,9% dos domicílios com insegurança alimentar grave, ou seja, em situação de fome, são chefiados por mulheres. Se analisarmos os dados de segurança alimentar no país, 61,4% dos lares que possuem alimentos suficientes e em boas condições são chefiados por homens.
“Domicílios cuja mulher é a pessoa de referencia estão mais associados à insegurança, assim como domicílios com muitos moradores.”
André Luiz Martins Costa, IBGE
Além da questão de gênero, a racial também é um fator nas características das pessoas com fome no País. Entre os domicílios com insegurança alimentar 50% são chefiados por pessoas negras – sendo 50,7% na insegurança leve, 56,6% na insegurança moderada e 58,1% na insegurança grave.
Segundo a pesquisa, existe uma faixa etária afetada pela insegurança alimentar pelo País. Metade das crianças com até 4 anos de idade vivem em residências com algum nível de insegurança alimentar, uma porcentagem de 34,2% delas. Desse total 5,1% se encontram com uma insegurança alimentar grave.
Na faixa etária entre 5 a 17 anos o número aumenta, pois mais da metade desses jovens vivem a realidade da insegurança alimentar. Dos 18 a 49 anos o percentual é de 41,2%, o grupo entre 50 a 64 anos o número diminui para 34,6%. A menor proporção é a de grupos acima dos 65 anos, com 21,3%.
Outro fator relevante para o perfil populacional da fome no Brasil é a composição do domicílio. Em sua pesquisa, o IBGE constatou que quanto menor o número de pessoas em uma residência, maior é a segurança alimentar. Segundo o levantamento, 72,5% dos domicílios com segurança alimentar possuem até tá moradores, enquanto 26,3 possuem de quatro a seis e apenas 1,1% tinham mais de sete moradores.
Onde estão as pessoas que passam fome no Brasil?
O mapa da fome no Brasil reflete a desigualdade existente no País. Pois de acordo com IBGE as pessoas que passam fome se encontram, em sua maioria, no nordeste brasileiro. Dos 10,3 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave, 4,3 milhões são nordestinas, enquanto 2,5 milhões estão no Sudeste e 2 milhões no Norte.
Porém, quando considerados a proporção de domicílios com restrição grave à alimentação adequada, o Norte do País ultrapassa o Nordeste em porcentagem com 10,2% dos domicílios. A porcentagem é cinco vezes maior que a do sul brasileiro de 2,2% dos domicílios classificados como inseguros graves.
De acordo com o IBGE, as porcentagens de lares que tiveram acesso pleno e regular à alimentação fora: Norte com 43%; Nordeste com 49,7%; Centro Oeste com 64,8%; Sudeste com 68,8%; Sul com 79,3%.
Outra característica da fome no Brasil é a prevalência dela nas regiões rurais do País. Segundo o IBGE, o maior número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave está na área urbana. Contudo, proporcionalmente, a área rural possui uma porcentagem dos casos maior com cerca de 40,1% contra 23,3% da área urbana.
De acordo com André Costa, gerente de pesquisas do IBGE, pessoas na zona urbana possuem mais alternativas para a sua alimentação, enquanto a zona rural está privada da variedade de alimentos disponíveis. Já para Marcelo Neri, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea, o morador do campo é mais pobre e encontra dificuldade na compra dos alimentos. Segundo Neri, o que o morador da zona rural produz de alimento não é para ele e o que ganha por esse trabalho não paga os custos da comida que está produzindo.
Em uma pesquisa realizada pela FGV, em 2019, 53% dos 20% mais pobres do Brasil declaram faltar dinheiro para alimentação. Em porcentagem global, 48% dos 20% mais pobres do mundo alegam o mesmo. O que permite a conclusão de que no Brasil a desigualdade é maior que em escala global.
A fome no Brasil no contexto da pandemia
No contexto da pandemia de Covid-19 a fome no Brasil ganha novas características de combate e novos números. Uma pesquisa realizada pela FGV em julho de 2020 mostrou que o número de pessoas que vivem em extrema pobreza caiu de 4,2 para 3,3, uma das menores taxas em 40 anos.
De acordo com Daniel Balaban, do Centro de Excelência contra Fome do Programa Mundial de Alimento da ONU, e Marcelo Neri, essa queda se deve ao auxílio emergencial distribuído a 67 milhões de brasileiros devido à crise causada pelo novo coronavírus.
“É triste dizer isso, mas o Brasil tem uma renda média de R$480. De repente, quando 65 milhões de pessoas receberam R$600 na sua conta, o Brasil diminuiu incrivelmente, durante o período dos recursos emergenciais, o número de pessoas abaixo da linha da pobreza;”
Daniel Balaban
Porém os números não são positivos, de acordo com Balaban, após o fim do auxilio emergencial no Brasil e o fim da pandemia, o País passará por uma grande recessão e o número de desempregados aumentará. Com o aumento da população sem renda fixa há o aumento de pessoas em situação de insegurança alimentar.
Quais medidas do Estado garantem a diminuição da fome no Brasil?
Diversas iniciativas foram tomadas ao longo dos anos para por um fim na fome no Brasil. Entre as medidas públicas mais populares estão o Fome Zero, programa criado em 2003 pelo governo federal, durante o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva; Programa Comunidade Solidaria, criado em 1995 pelo governo de Fernando Henrique Cardoso e presidido pela então primeira-dama, Ruth Cardoso, e substituído pelo Fome Zero; o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), decreto 37.106 de 1955 do Ministério da Educação, assegura merenda escolar para os estudantes de escolas publicas brasileiras; Bolsa Família, programa instituído pelo governo Lula em 2004, que distribui pagamentos mensais para famílias de baixa renda.
Atualmente as principais medidas adotas são o PNAE e o Bolsa Família, assegurados pela emenda constitucional de número 64, que protege politicas publicas que assegurem alimentação a milhões de brasileiros.
Quais ONGs combatem a fome no Brasil?
Além de medidas realizadas por governos e instituições públicas, muitas ONGs atuam para combater a fome no Brasil. Tais ações ajudam a amenizar os efeitos da falta de renda e má distribuição de recursos alimentícios pelo País. Conheça algumas ONGs que atuam no combate à fome e insegurança alimentar no Brasil:
Amigos do Bem é uma ONG criada há 27 anos por um grupo de amigos com o objetivo de ajudar pessoas no sertão nordestino por meio da educação, trabalho, acesso à alimentação, água e moradia. Atualmente é um dos maiores grupos de voluntários ativos no Brasil, ajudando cerca de 75 mil pessoas e distribuindo mais de 180 mil refeições nos estados de Alagoas, Ceará e Pernambuco.
ActionAid é uma organização internacional criada em 1972 com o objetivo de lutar por justiça social, igualdade de gênero e pelo fim da miséria. A ONG cria projetos de educação, agroecologia e clima, igualdade de gênero e participação da democracia em 45 país.
Ação da Cidadania foi criada em 1993 pelo sociólogo Herbert de Souza e tornou-se uma rede de mobilização nacional no combate a fome. Uma de suas ações mais conhecidas é o “Natal sem fome”, em que são doadas cestas básicas para famílias carentes durante o fim do ano.
Banco de Alimentos foi fundada em 1998 e com sede em São Paulo. O grupo trabalha para a redução do desperdício de alimentos que estão em perfeito estado para consumo. Eles realizam a coleta dos alimentos e distribuem em instituições sociais por toda Grande São Paulo.
Como acabar com a fome no Brasil?
Organizações como a ONU criaram metas para serem realizadas pelos governos e pelos cidadãos para extinguir a fome do mundo. A seguir, saiba quais são as medidas que podemos adotar para ajudar a combater e erradicar a fome no Brasil:
- Não desperdice comida: sobras podem ser congeladas e reutilizadas em refeições futuras. Quando comer em restaurantes, peça quantidade suficiente pra se alimentar e caso sobre peça para levar para casa. Quando se consome o que é necessário a quantidade de comida produzida é suficiente para toda a população.
- Produza mais, com menos: até 2050, a estimativa de pessoas no mundo é de 9 bilhões. Por isso a produção de comida, como a agricultura, deve procurar maneiras mais eficientes e econômicas de produção. Isso vale para pequenos e grandes produtores, pois todo cuidado é necessário.
- Adote uma dieta mais saudável e sustentável: manter uma dieta nutritiva e equilibrada é uma maneira de equilibrar o consumo de alimentos na sociedade, principalmente produtos industrializados. Prepare refeições fáceis e saudáveis e compartilhe com todos.
- Defenda programas de combate a fome: programas que combatem a fome em no país são essenciais, pois ajudam a aprovar pautas no Estado referentes a população em insegurança alimentar. Além disso, programas como esses trabalham ativamente em comunidades vulneráveis. Um exemplo no Brasil é o Fome Zero e o PNAE.
Além dessas dicas essenciais, vale lembrar que apoiar ONGs que trabalhem para a erradicação da fome também é fundamental. Em sua maioria essas organizações vivem de doações e trabalhos voluntários. Por isso, se voluntariar a estas instituições é uma maneira de trabalhar praticamente com o combate à insegurança alimentar brasileira. Para doar ou se voluntariar, basta acessar o site da ONG desejada e se inscrever.
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